16 dez, 2020 - 09:50 • Teresa Paula Costa
Em Miranda do Corvo, existe um hospital novo, totalmente equipado e pronto a receber doentes na região Centro do país. Contudo, está fechado e os doentes continuam a ter de percorrer dezenas quilómetros para terem acesso a cuidados hospitalares, em Coimbra.
Chama-se Hospital da Compaixão e foi construído, há quase um ano, pela Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo. O financiamento esteve a cargo do município e da própria fundação, através dos seus fundos.
Ao todo, foram gastos 10 milhões de euros na instalação de equipamento de última geração num edifício construído de raiz e que está pronto a receber serviços de urgência, consultas de ambulatório, exames auxiliares de diagnóstico, cuidados continuados, cirurgias e 52 doentes em internamento.
Mas faltam os acordos com o Ministério da Saúde para entrar em funcionamento. A Renascença foi em busca da história deste impasse.
A história começa em 2018 e foi contada à Renascença por Jaime Ramos, o presidente da Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo.
Nessa altura, “o hospital estava já numa fase adiantada” de construção e a fundação convidou a Administração Regional de Saúde do Centro para uma visita técnica, “para, se necessário, se introduzir alguma melhoria” e “fazermos acordos de cooperação nas diferentes áreas”.
Nesse mesmo ano, “a equipa de cuidados continuados veio visitar o hospital” e, conta Jaime Ramos, “ficou acordado que, em princípio, no primeiro semestre de 2019, quando o hospital estaria efetivamente concluído, seria feito um acordo para cuidados continuados de convalescença com 30 camas.”
Chegados ao fim do primeiro semestre de 2019, a fundação comunicou que o hospital estava concluído e que “precisávamos de assinar os acordos para preparar a equipa.”
A partir desse momento, lamenta Jaime Ramos, “passámos a não ter nem visitas nem respostas aos nossos ofícios".
“Seguiu-se uma sucessão de ofícios durante todo o ano de 2019”, que culminou com um ofício, já em novembro, em que, segundo Jaime Ramos, “na parte final, dizemos que, se o problema é com a administração da fundação, nós disponibilizamo-nos para que seja o próprio Ministério da Saúde a fazer a gestão direta do hospital”, dado tratar-se de um serviço “muito necessário para as pessoas e um investimento que está feito e que pode ser colocado à disposição do Serviço Nacional de Saúde”.
Mas nem a oferta, dirigida diretamente à ministra da Saúde, convence Marta Temido, que nem resposta dá.
Em fevereiro deste ano, continua a relatar o médico, “ainda antes de a pandemia ter chegado a Portugal mas já ouvindo as notícias que chegavam de outros países e com a convicção de que ela chegaria ao nosso país, enviámos um ofício às diferentes entidades do Ministério da Saúde a disponibilizarmos o hospital para esse combate à pandemia”.
A proposta caiu, mais uma vez, em saco roto.
A partir daí, “nova sucessão de ofícios, já no decorrer do estado de emergência, em que oferecíamos, não só o hospital, mas também os dois hotéis que gerimos, porque podiam ser necessários para colocar pessoas”, continua Jaime Ramos. Novamente sem respostas.
Enquanto isso, pavilhões gimnodesportivos eram equipados para hospitais de campanha, como aconteceu precisamente em Miranda do Corvo e no concelho vizinho da Lousã.
Na opinião de Jaime Ramos, a falta de resposta deve-se a “sectarismo político contra aquilo que é a postura de alguns dos elementos do conselho de administração, nomeadamente eu, que não faço parte dos partidos da ‘geringonça’ e também por uma certa ‘birra’ relativamente ao concelho”.
Os prejudicados são, lamenta o médico, “as pessoas de Miranda e dos concelhos à volta, que precisam que não haja tanta lista de espera das cirurgias e das consultas de ambulatório, que precisam de cuidados e de realizarem os seus exames auxiliares de diagnóstico e que fariam isso muito melhor em proximidade e numa unidade pequena com muito maior capacidade de humanismo”, defende.
Jaime Ramos destaca ainda que “o risco de infeções hospitalares, que normalmente preocupa muito os grandes hospitais, nestas pequenas unidades é reduzido.”
Confrontado pela Renascença com esta situação, o secretário de Estado adjunto e da Saúde garantiu estar a par do assunto, admitiu haver algumas dificuldades, mas recusou falar deste caso em concreto ou especificar as dificuldades.
Em Leiria, no final de uma visita ao Hospital de Santo André, António Lacerda Sales disse que “as necessidades têm que ser devidamente avaliadas e enquadradas para podermos dar as respostas nos locais” e “quando temos necessidades, vamos ter com o setor social, privado e fundações”.
Contudo, admitiu que “num futuro próximo essa situação será avaliada, se as necessidades forem essas”, pois “eu não posso antecipar a disponibilidade de uma cama no setor social ou privado com cinco ou sete meses de antecipação”.
“O Governo”, salientou António Sales, “tem feito isso no momento certo, quer com o setor social quer privado, para que, no momento em que são necessárias essas respostas, nós demos essas respostas, em conjunto com esses setores.”
Certo é que há ano e meio que o Hospital da Compaixão, em Miranda do Corvo, poderia ter aberto as portas à população, evitando que ela fosse obrigada a deslocar-se a outras localidades.
Abriu portas há pouco tempo a um estúdio de cinema para uma equipa francesa ali gravar um filme de tributo aos profissionais de saúde da linha da frente no combate à Covid-19.
Se o Ministério da Saúde português não quiser aproveitar esta infraestrutura, a fundação está pronta para vendê-la a entidades privadas, portuguesas ou estrangeiras. Pelo menos assim, a população poderá mais facilmente usufruir dos necessários cuidados de saúde.