17 dez, 2020 - 22:30 • Ana Carrilho
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Mais de duas dezenas de médicos, sobretudo pediatras, enviaram uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, pedindo que as pessoas com trissomia 21 e com mais de trinta anos, sejam incluídas na 1ª fase de vacinação contra o SARS-COV-2.
Quase metade destas pessoas não resiste a uma hospitalização, devido às doenças associadas, dizem, mas Miguel Palha, fundador da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 admite à Renascença que também há algum receio de que venham a ser preteridas se os médicos chegarem ao ponto de ter de escolher quem salvam.
A taxa de mortalidade entre pessoas com trissomia 21 com mais de quarenta anos e que são hospitalizadas é de 45%, uma figura “absolutamente assustadora, equivalente à dos indivíduos com mais de 80 anos, mas sem trissomia 21”, afirma em declarações à Renascença o médico Miguel Palha.
O porta-voz do grupo de médicos que enviou uma carta ao primeiro-ministro a pedir que este grupo, que consideram de risco, seja incluído na primeira fase de vacinação contra a Covid-19, apresenta diversos argumentos, reforçados pelas propostas da Down Syndrome Research Society, divulgadas esta quinta-feira.
Em pouco mais de uma dezena de pontos, os médicos (a maioria são pediatras, os especialistas que mais acompanham os portadores de Trissomia 21 ao longo de toda a vida) explicam porque é que estas pessoas, com mais de 30 anos, devem ser incluídas grupo prioritário a vacinar.
Apesar de não haver estatísticas rigorosas, Miguel Palha, um dos fundadores da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21, estima que não serão mais de duas mil pessoas. Ou seja, “ia pesar muito pouco no grupo a vacinar em primeiro lugar”.
Os médicos explicam que este grupo é composto por pessoas com elevados défices de imunidade, diversas patologias associadas, nomeadamente cardíacas, renais, pulmonares, hepáticas ou neurológicas; sujeitas a um alto risco de infeções, experimentam também um processo de envelhecimento precoce e sobretudo a partir dos 35 anos, com manifestações clínicas compatíveis com a doença de Alzheimer. Boa parte dos adultos está institucionalizada e tolera mal as situações de isolamento social, obrigatório numa situação de pandemia.
Estas são algumas das debilidades apontadas por este grupo de médicos que enviou a carta ao chefe do governo, com conhecimento ao Presidente da República, ministra da Saúde, diretora-geral de Saúde e bastonário da Ordem dos Médicos.
A carta a que a Renascença teve acesso sublinha ainda que os médicos signatários fundamentaram a sua proposta em critérios científicos, mas invocam também “e sobretudo os princípios éticos e humanistas da valorização das diferenças dos nossos concidadãos mais vulneráveis e em desvantagem, mormente do desenvolvimento intelectual”.
E manifesta também a preocupação de, “num cenário de escassez de cuidados de saúde, designadamente a disponibilidade de cuidados intensivos, as pessoas com síndrome de Down serem preteridas no acesso”.
À Renascença, Miguel Palha admite que se chegarmos ao ponto em que o médico tem de decidir quem salvar, estas pessoas podem ficar em desvantagem.
“Pode ter a certeza disso, ninguém vai dizer que o faz, mas perante uma necessidade de escolha, pode ter a certeza que será feito. Não todos os médicos, mas alguns vão valorizar aquilo a que subjetivamente chamam qualidade de vida em detrimento do primado da própria vida, que é objetiva. Até ao momento ainda não houve necessidade de fazer escolhas, mas num cenário trágico – digamos assim – admito que essa escolha venha a ser feita”, diz Miguel Palha.
O pediatra diz que até ao momento não teve conhecimento de qualquer caso, mas garante que “como representantes desta população, se tivermos conhecimento de algum caso, participaremos de imediato à Comissão de Ética das Ciências da Vida e a outras entidades. Os portadores de trissomia 21 são, acima de tudo, pessoas”.