23 dez, 2020 - 13:00 • Joana Gonçalves
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O aviso chegou no final de outubro. Especialistas europeus alertavam para uma nova variante do SARS-CoV-2, responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 na Europa.
A nova estirpe, que teve origem em junho, em trabalhadores agrícolas espanhóis e chegou aos turistas que a levaram consigo no regresso a casa, representa agora mais de 70% das infeções no Reino Unido.
Esta quarta-feira, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) revela que a variante, identificada como A222V, chegou a Portugal, ainda no verão, e representa 71% dos genomas sequenciados durante a segunda vaga.
“Nós analisamos mais de 400 genomas recolhidos durante o mês de novembro, numa amostra representativa de 16 distritos e 113 concelhos. Nesses 400 genomas, 71% são dessa variante A222V”, revela à Renascença Vítor Borges, investigador do INSA e um dos responsáveis pela análise da diversidade genética do novo coronavírus em Portugal.
"Estamos num pico da epidemia nesta segunda vaga" e, por isso, o número de casos sequenciados em proporção dos casos positivos é baixo, “mas ainda assim julgamos que é bastante representativo de quais foram as variantes corresponsáveis pela segunda vaga de Covid-19 em Portugal”, acrescenta.
De acordo com o especialista, apesar de a mutação não afetar diretamente a ligação do vírus ao recetor das células, esta variante “revela um aumento de frequência muito grande e uma disseminação geográfica massiva pela Europa. E, agora, confirmamos que em Portugal também”.
Esta nova descoberta parece indicar que a abertura de fronteiras pode ter estado na origem do crescimento exponencial de casos, durante a segunda vaga da epidemia em Portugal.
“Um dos fatores que pode ter contribuído para que ela tenha uma frequência tão elevada é o facto de estar a circular em tantos países. Pode ter sido introduzida múltiplas vezes em Portugal, de forma independente. É uma das hipóteses, bastante provável”, defende Vítor Borges, em entrevista à Renascença.
Para o especialista, trata-se de “um binómio de oportunidade” - a variante estar no sítio certo à hora certa. “Emergiu numa altura em que houve maior desconfinamento e houve um regresso à circulação em grande escala das pessoas. E, portanto, essa oportunidade pode ter estado na origem deste aumento.”
Em relação à mutação em particular, o investigador adianta que “foi, também, associada a uma estirpe que causou reinfecção num caso reportado em Hong Kong. Sabe-se que ela pode afetar indiretamente a ligação do vírus às células, mas são estudos muito preliminares”.
O relatório de situação, hoje divulgado pelo INSA e realizado em colaboração com o Instituto Gulbenkian de Ciência [IGC], revela, também, que não foram ainda detectadas em Portugal as variantes que circulam quer no Reino Unido, quer na África do Sul. “Também não foram detetadas as variantes descritas na Dinamarca associadas a alguns animais, nomeadamente em martas”, explica o investigador.
Para além desta variante, foram ainda identificadas duas novas estirpes, detetadas em todas as regiões de Portugal continental. De acordo com o documento, "A mutacão S477N na Spike altera o domínio de ligação ao receptor, pondendo aumentar a afinidade da ligação da Spike às células do hospedeiro".
Por sua vez, a variante S98F, que representa 4,7% dos genomas sequenciados, é encontrada com maior frequência na Bélgica e Holanda, "tendo já sido identificada em múltiplos países".
Vítor Borges relembra que apesar de ser impossível evitar a mutação enquanto fenómeno natural, podemos evitar que as mutações circulem. É possível quebrar as cadeias de transmissão dessas mutações e extingui-las.
“Uma das variantes responsáveis pela primeira vaga da epidemia em Portugal, também uma mutação da 'spike', não foi detetada na sequenciação que fizemos nesta segunda vaga. O que leva a entender que as medidas implementadas durante a primeira vaga mitigaram muito a transmissão do vírus dessa variante e que não se sabe se estará ainda a circular, mas nesta amostragem não foi detetada”, revela.
O especialista adianta, ainda, que é muito provável que a nova variante identificada no Reino Unido chegue, também, a Portugal.
O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge analisou, até à data, 2.234 sequências do genoma do novo coronavírus SARS-CoV-2, obtidas de amostras colhidas em 68 laboratórios,hospitais e instituições, que representam 199 concelhos.