05 jan, 2021 - 19:27 • Fábio Monteiro
No próximo sábado, dia 9 de janeiro, vai entrar em vigor o Decreto-Lei n.º 102-B/2020, que proíbe a pernoita e aparcamento de autocaravanas em todos os locais que não sejam expressamente designados para o efeito. A nova lei empurra os veraneantes com gosto pela mobilidade para as Áreas de Serviço para Autocaravanas (conhecidas pelo acrónimo ASAS), parques exclusivos para autocaravanas e parques de campismo, deixando-os excluídos de muitos espaços públicos.
Esta mudança legislativa está a causar indignação e acusações de lobby por parte da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). As duas principais associações representantes do setor, a Associação de Autocaravanismo de Portugal (CPA) e a Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA), vão interpor, em conjunto, um recurso à lei, apurou a Renascença.
Paulo Moz Barbosa, presidente da CPA, diz esperar que “as autoridades competentes reajam e percebam que meteram o pé na argola”.
“Pretendemos que a pernoita seja incluída no local de estacionamento. Desde que esteja bem estacionado, sem abrir o tal aparcamento, porque é que não hei de poder estar dentro da minha autocaravana de noite. É essa contestação que nós vamos fazer”, explica Moz Barbosa em declarações à Renascença.
Com a nova lei, o Governo criou disparidade de direitos entre automobilistas, alega a CPA. “Uma pessoa num automóvel ou num camião TIR, por exemplo, pode dormir no carro, desde que esteja devidamente estacionado. Se estou numa autocaravana, que é exatamente um veículo que comprei, que tem todas as condições para dormir, que tem uma casa de banho e tudo, não posso. Ora, isto é claramente o lobby dos campings a obrigar-nos a ir para dentro dos campings”, atira.
O Decreto-Lei nº102-B/2020 define “aparcamento” como “o estacionamento do veículo com ocupação de espaço superior ao seu perímetro” e pernoita como “a permanência de autocaravana ou similar no local do estacionamento, com ocupantes, entre as 21h00 horas de um dia e as 7h00 horas do dia seguinte.”
“Um autocaravanista circula pelo país, estaciona numa cidade à noite, está bem estacionado, vai até um restaurante, regressa à autocaravana e não pode lá ficar dentro. Ou pega no seu colchãozinho e vem dormir para a rua ou tem que meter a primeira e andar até encontrar um sítio legal. O que se diz é que só pode pernoitar nos sítios devidamente bem assinalados, que nós não sabemos bem quais são”, diz Paulo Moz Barbosa.
Os autocaravanistas que infrinjam a lei terão de arcar com uma coima entre os 60 e os 300 euros; e se a pernoita ou aparcamento ocorrer em áreas da Rede Natura 2000 ou áreas protegidas, as multas passam a ser de 120 a 600 euros.
À Renascença, Paulo Moz Barbosa diz que a mudança legislativa foi precipitada por dois motivos: segundas intenções da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e má publicidade pelo que se sucedeu no último verão, em particular na Costa Vicentina.
A larga maioria das associações de parques de campismo nacionais são filiadas na AHRESP e, na teoria, irão lucrar com a nova lei. Aliás, após o Decreto-Lei n.º 102-B/2020 ter sido publicado, “a AHRESP fez um comunicado a vangloriar-se pelo facto de o Governo ter aceite a sugestão deles na questão da pernoita. Portanto, isto é gato escondido com rabo de fora”, nota Paulo Moz Barbosa.
No boletim do dia 11 de dezembro, a associação assume que a proibição surge “na sequência das solicitações da AHRESP”. “A AHRESP saúda esta medida do Governo, que terá como resultado o combate às situações de ilegalidade recorrentes, que prejudicavam as populações locais, o meio ambiente e os agentes económicos que investiram nos espaços licenciados para acolhimento de autocaravanas e similares”, lê-se.
A Renascença enviou questões à AHRESP sobre esta situação, mas ainda não obteve resposta.
No passado verão, devido à pandemia e ao receio de estar em espaços fechados e com mais famílias, foram muitos os portugueses que alugaram, pela primeira vez, uma autocaravana. “E fizeram disparates por todo o lado. Por ignorância, a maior parte deles”, diz Paulo Moz Barbosa.
Segundo o Presidente da CAP, esses portugueses “não são autocaravanistas, são pessoas que usaram uma autocaravana de aluguer para fazer férias e fizeram muitos disparates. Acamparam em sítios que não lembra ao diabo. Nas ravinas, nas praias. Em tudo quanto é sítio. E as autoridades, de vez em quando, iam lá e autuavam-nas.”
Na opinião de Paulo, as autoridades fazem bem em multar quem “acampa” em áreas interditas. Até porque um “acampamento faz-se num parque de campismo. Ponto. Não outro sítio”. Mesmo nas ditas ASAS é proibido acampar – “abrir o tolde, por mesas cá fora” -, lembra.
O representante da CPA admite que “há pessoas que prevaricam por sistema”, mas isso não é justificação suficiente para mudar a ler. Por isso, recorre a uma analogia: “Na autoestrada, há muita gente que circula com os telemóveis, na faixa da esquerda, acima de 120km/h. Não lembra a ninguém fechar as autoestradas por causa disso. O que se faz é fiscalizar as autoestradas e autuar.”