07 jan, 2021 - 18:31 • Filipe d'Avillez com Lusa
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A lei da eutanásia, que ficou concluída na especialidade na quarta-feira, após um processo que se prolongou por cerca de três meses, garante o direito à objeção de consciência de todos os profissionais de saúde e impede a exclusão dos seguros de vida de quem opta por pôr fim à sua vida dessa forma.
A objeção de consciência para médicos e enfermeiros fica garantida no texto legal. Era proposta por todos os partidos com projeto de lei e a Iniciativa Liberal queria que ficasse escrito que essa objeção poderia ser exercida a todo o tempo, e que implicaria a suspensão do processo até à sua substituição. O PS, porém, recusou esta formulação com o argumento de que essa pode ser matéria para a regulamentação do Governo que se seguirá à aprovação da lei.
Na nova formulação lê-se que “nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao ato de antecipação da morte de um doente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza, entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objeção de consciência a todos que o invoquem.”
Contudo, diz-se também que a objeção deve ser justificada ao próprio doente, pelo médico, no espaço de 24 horas, o que tem merecido críticas por parte da elementos da classe. O médico deve ainda apresentar a sua objeção por escrito ao respetivo estabelecimento de saúde.
O diploma terá ainda de ser confirmado, no chamado processo na especialidade, numa reunião da comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que esta quinta-feira ficou marcada para o dia 13 de janeiro, antes da votação final global, em plenário, e depois ainda terá de ser promulgado para se tornar lei, algo que não deve acontecer antes das eleições presidenciais do dia 24 de janeiro.
Eutanásia
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A versão final, que inclui emendas à proposta de consenso elaborada inicialmente por Isabel Moreira, deputada do PS, começa por fazer uma pequena alteração na definição das condições em que se pode praticar a “morte medicamente assistida”, como se refere à eutanásia.
O texto de substituição, a partir dos cinco projetos aprovados em fevereiro de 2020, previa, inicialmente, que não é punível a “antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Mas na reunião de quarta-feira, por proposta do BE, juntou-se mais uma condição. Ou seja, que em caso de lesão definitiva, ela deve ser de “gravidade extrema, de acordo com o consenso científico”.
O critério para admitir pessoas ao processo de eutanásia tem sido um dos mais sensíveis. Os críticos apontam para o facto de “sofrimento extremo” ser um conceito demasiado subjetivo, uma vez que não existem formas de medir o sofrimento, sobretudo se este for psicológico e não físico. A necessidade de haver também uma lesão definitiva não acalma inteiramente essas preocupações, uma vez que a cegueira, ou a perda de um membro, pode encaixar nessa categoria.
Assim é possível, teoricamente, que alguém de resto saudável peça para ser eutanasiado por estar a ficar irreversivelmente cego e considerar que isso provoca um sofrimento psicológico extremo, tal como aconteceu com os irmãos Marc e Eddy Verbessem, na Bélgica. Para isso seria necessário em Portugal, tal como aconteceu na Bélgica, que houvesse um parecer médico favorável.
A lei prevê ainda que o doente que pede a morte medicamente assistida é livre de parar com o processo a qualquer momento.
Atualmente, a prática da eutanásia em Portugal, embora não exista um crime com esse nome, pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º), E as penas variam entre um a cinco anos de prisão para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.
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Depois do alerta da Associação Portuguesa de Seguros, de que a lei poderia impedir o pagamento de seguros de vida, a lacuna foi resolvida no debate na especialidade: o texto legal prevê que, “para efeitos do contrato de seguro de vida, a antecipação da morte não é fator de exclusão”.
Além do mais, não pode haver alterações nas cláusulas a designar os beneficiários após o início do processo da eutanásia. Os profissionais, sejam de saúde ou outros, que participam no processo não podem ser beneficiários do doente. Contudo, esta mudança levanta a preocupação de familiares ou outros eventuais beneficiários de seguros, pressionem o doente a optar pela eutanásia. O mesmo se aplica a eventuais heranças.
Resta ver também o efeito que a lei possa vir a ter na aceitação por parte de seguradoras de pessoas com lesões graves e que cumpram os critérios para serem eutanasiadas.
Logo nos primeiros artigos, os deputados entenderam-se para proibir que se candidatem à eutanásia doentes com um processo judicial com vista à sua incapacidade. Na mesma lógica, é suspenso o processo de for apresentado um processo judicial com esse objetivo.
Na lei a ser votada pelo parlamento é proposto que o processo seja seguido e orientado por médicos, havendo pelo menos dois pareceres ou um terceiro, de um médico psiquiatra, se o médico orientador tiver dúvidas sobre a capacidade da pessoa ou se o doente tiver uma perturbação psíquica.
O texto de substituição prevê que só é possível fazer a eutanásia nos "estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado".
Tal como estava previsto no texto de substituição, o processo de morte assistida é interrompido se o doente ficar inconsciente, só sendo retomado se ficar de novo consciente e mantiver a decisão.
Pelo caminho ficou a proposta, que já vinha do projeto inicial do BE, de o processo de manter mesmo se o doente tivesse declarado, em testamento vital, que pretendia morrer mesmo se ficasse inconsciente.
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Tal como já faziam os cinco projetos, a lei cria uma Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte que tem cinco dias para emitir pareceres, caso o processo tenha sido aprovado pelo médico orientador.
A comissão é composta por “cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação” nas áreas médica, jurídica e bioética: um jurista indicado pelo Conselho Superior da Magistratura, outro jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico indicado pela Ordem dos Médicos, um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Contudo, este pode ser um ponto difícil de cumprir, uma vez que pelo menos a Ordem dos Médicos já deixou claro que não pretende colaborar de qualquer forma com uma eventual lei, nem nomeará qualquer membro para essa comissão.
Não é imediatamente claro, pelo texto, se a recusa da participação da Ordem dos Médicos impedirá o funcionamento da comissão, ou se esta pode operar estando o lugar reservado para esse representante por preencher.