16 jan, 2021 - 09:01 • João Carlos Malta
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Miguel Ricou, presidente do Conselho de Psicologia Clínica da Ordem dos Psicólogos, olha para o contexto da pandemia e não tem dúvidas em dizer que o número de casos de pessoas em sofrimento psicológico vai aumentar. E sempre que este cresce, em Portugal, a resposta prioritária é a medicação. Traduzindo o ansiolítico e o antidepressivo são as soluções mais comuns para os problemas.
A meio do ano passado, Portugal era o quinto país da OCDE que mais consumia este tipo de medicamentos. E tem um histórico nas últimas décadas de grande dependência destes fármacos.
“Acho que vai aumentar, a tendência é que aumente”, diz à Renascença Miguel Ricou.
O especialista não diaboliza estes medicamentos, mas entende que a sua preponderância se deve ao facto de a maior parte da doença psicológica em Portugal ser tratada ao nível dos cuidados de saúde primários. Neles, os médicos de família têm menos recursos e menos tempo, e a solução mais comum é a prescrição de comprimidos.
Ricou alerta para que tanto os ansiolíticos como os antidepressivos, por si só, não resolvem o problema, e que é necessário uma maior aposta no acompanhamento psicológico.
“Existe em Portugal um maior recurso de psicofármacos, antidepressivos e ansiolíticos, e uma utilização mais extensiva do que o ideal”, reconhece.
NÚMERO DE CASOS DIÁRIOS DE COVID-19 EM PORTUGAL
O presidente do Conselho de Psicologia Clínica da Ordem dos Psicólogos entende que, passado um ano, temos uma população mais débil em termos de saúde mental, e que os riscos de um novo confinamento são os de agravar as situações que se adensaram no último ano.
“Os riscos são os mesmos: as pessoas estão mais isoladas, reduzidas ao núcleo familiar, há os problemas do trabalho à distância, e as condições da economia que se vai agravar”, enumera.
O especialista considera que as pessoas estão mais vulneráveis e “em maior risco de adoecer”. Ainda assim, salvaguarda que é natural andarmos “menos bem-dispostos, mais irritados, mais tristes e com menos esperança”.
“Isso não significa que vamos ficar doentes. Apenas vamos passar dias piores”, sublinha.
Reportagem
O novo coronavírus entra-nos primeiro no corpo, e (...)
Ainda assim, avisa que sabemos agora que “20% de pessoas poderão vir a ter problemas de saúde mental.” “É um dado pesado”, avalia.
O especialista em psicologia clínica, que até há uma semana foi o coordenador da linha de apoio psicológico do SNS 24, diz que foram atendidas 57 mil chamadas por aquele serviço (cinco mil das quais de profissionais de saúde). Uma média diária de 211 telefonemas, desde que foi criada em abril do ano passado.
A abordagem com as pessoas que estão com problemas, segundo Miguel Ricou, é o de mostrar às pessoas que nestas circunstâncias “é natural sentirem-se piores”. “Devemos conseguir aceitar que nos sentimos pior”, afiança.
NÚMERO DE MORTES DIÁRIOS POR COVID-19 EM PORTUGAL
O mesmo alerta para o risco da patologização deste tipo de processos que acontece quando “sinto que não me devia sentir desta maneira”. “Aí começa-se a lidar mal com estes sintomas. Quando lido mal, agravo-os. Cria-se um ciclo, estou triste porque estou triste”, resume.
As consequências psicológicas da pandemia têm sido na sua larga maioria o aumento dos casos de ansiedade, stress, stress pós-traumático e depressão.
Um estudo recente do Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA), revela que sete em dez portugueses que estiveram em quarentena ou já recuperados da Covid-19 acusaram sofrimento psicológico e mais de metade apontou sintomas de depressão moderada a grave.
Das pessoas infetadas com o novo coronavírus SARS-CoV-2, que provoca a doença covid-19, internadas no período em que decorreu o estudo, entre 22 de maio e 14 de agosto, 92% relataram sintomas de ansiedade moderada a grave e 43% sintomas de perturbação de stress pós-traumático.
Luto
Passados quase nove meses, João, António e Maria f(...)