19 jan, 2021 - 11:38 • Marta Grosso
A linha vermelha já foi ultrapassada nos hospitais, garante a enfermeira Carmen Garcia, que exerceu em Évora. Em conversa com As Três da Manhã, nesta terça-feira, esta profissional de saúde diz que já se escolhem os doentes.
“Já se escolhe, neste momento, que doentes têm ou não critério para entrar dentro das unidades de cuidados intensivos. Doentes que, em março ou abril, teriam direito a um ventilador indiscutivelmente, a uma vaga, neste momento não têm”, afirma à Renascença.
“E o teto que se colocou, o primeiro deles, é a idade. Nós temos o azar de um familiar nosso, de 70 e qualquer coisa anos, precisar de um ventilador por covid, de uma vaga nos cuidados intensivos e, com essa idade, o mais certo neste momento é nem sequer se poder tentar”, diz.
Carmen Garcia vive e trabalha na zona de Évora. Tinha decidido mudar de vida e deixar a enfermagem. É colunista no jornal “Público” e autora de um blogue sobre maternidade, tendo já publicado alguns livros. Com o país a viver este momento de pandemia, sentiu o dever ético e moral de voltar à profissão para a qual estudou.
“Neste momento, cruzámos a ‘red line’ e não há volta a dar. Nem fim à vista”, afirma. “Essa coisa da grande pressão é um bocadinho um eufemismo. Não estamos numa grande pressão, estamos num momento de rutura total. A rutura é agora”, sublinha.
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Mas, não é assim todos os invernos, como alega tanta gente?
“Todos os anos o Serviço Nacional de Saúde colapsa. É um facto. Todos os invernos, nós passamos por momentos muito complicados e vamos à ‘red line’. O problema é que neste momento nós cruzámos a ‘red line’”. A enfermeira explica porquê com números.
“O último grande estudo que existe sobre unidades de cuidados intensivos em Portugal é de 2016 e diz que tínhamos mais ou menos 487 camas de cuidados intensivos polivalentes. Essas camas foram um bocadinho alargadas durante os anos, portanto, acreditamos que, em janeiro de 2020, teríamos cerca de 500 camas de cuidados intensivos em Portugal. Hoje, temos 660 doentes Covid em cuidados intensivos”, afirma.
Ou seja, “um país que tinha 500 camas, neste momento, só numa patologia, tem 660 doentes internados – já temos 160 camas acima da nossa capacidade real. A somar a isto os outros doentes. Isto nunca aconteceu no nosso país. Nunca”, assegura.
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A enfermeira realça ainda que, “cada vez que se abre mais uma enfermaria Covid, fecha-se uma enfermaria de outra coisa”.
Carmen Garcia trabalhou na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Évora e integra atualmente as chamadas “brigadas de diagnóstico Covid”, que vão aos lares e escolas, onde é necessário testar pessoas em massa. Na mesma conversa com As Três da Manhã, que pode ouvir na íntegra em cima, pede uma atenção especial aos lares.
“Mesmo neste pico, é importante reorganizar os lares, que alguém olhe para os lares com olhos de ver”, apela.
Na segunda-feira, em entrevista à Renascença, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra o Hospital de Santa Maria, avisou: “já ultrapassámos o limite”.
“Os cidadãos são os únicos que podem reverter esta tendência e se estas medidas [do Governo] não surtirem efeitos, não conseguiremos atender toda a gente”, acrescentou Daniel Ferro.
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