21 jan, 2021 - 15:54 • Liliana Monteiro , Raul Santos
Os menores só podem ficar legalmente sozinhos em casa a partir dos 12 anos, mas, em caso de acidente, os pais serão responsabilizados. O esclarecimento é de Alexandra Atanásio Beja, advogada na área da família e menores, numa altura em que, com o anunciado fechar de portas das escolas, importa perceber o que se pode, ou não, fazer com as crianças.
Até aos 12 anos a lei não permite que as crianças fiquem sozinhas, refere a advogada.
“Antes dos 12 anos [a criança] tem de estar sempre acompanhado de um adulto. A lei considera que a criança não tem maturidade suficiente e pode colocar em perigo a sua vida e a de terceiros. O artº 138 do código penal prevê por isso mesmo o crime de abandono. Uma criança sozinha com menos de 12 anos considera-se abandonada”, explica.
A partir dos 12 anos, se habitação onde fica tiver condições de segurança e alimentação para que a criança possa alimentar-se e manter-se em casa, estudar, brincar, etc… pode ficar sozinha. Mas e se ocorrer um sinistro, algo inesperado que cause danos na habitação ou em vizinhos?
“Haverá sempre responsabilidade civil dos pais relativamente aos atos dos filhos, como se fossem os pais a proceder dessa forma. Imaginemos uma torneira aberta que provoca uma inundação, fosse o filho, o pai, alguém da habitação que tivesse provocado o estrago por desleixo ou até negligência, esse reparo tem de ser sempre assumido pelos pais”, explica a advogada.
Mas cada caso é um caso, “pode existir uma criança até com 14 anos, imatura e com problemas até motores ou psicológicos e aí a lei não se aplica, deve ficar sempre acompanhada. Não se pode deixar, por exemplo, uma criança autista sozinha, e até pode ser já adulto. Esta questão dos 12 anos não é rígida”.
Nestes tempos diferentes de confinamentos, restrições e exigências de trabalho esta advogada afirma mesmo que têm chegado às mãos casos de crianças que ficam sós em casa. “Qualquer pessoa pode denunciar a presença em casa de uma criança sozinha e menor de 12 anos: um vizinho, um dos pais (quando há regulação do poder paternal), alguém que saiba que a criança ficou sozinha, deve e pode denunciar à PSP ou GNR ou até junto de uma Comissão de Proteção de menores dizendo que a criança está em perigo”.
E se a lei permite que uma criança com 12 anos ou mais, fique em casa sozinha, não abre, no entanto, portas a que a mesma possa ficar a tomar conta de irmãos menores. “Há crianças com vários níveis de maturidade, a lei considera que a partir dos 12 anos já tem um maior discernimento e consegue cuidar de si. Mas isso não significa, por exemplo, que possa tomar conta de irmãos mais novos", explica, dando o seguinte exemplo: "uma criança de 12 anos não pode ficar sozinha em casa com um irmão de sete anos, aí tem de haver sempre um adulto a supervisionar, mas se a criança tiver 16 anos já pode”.
Perante as informações que apontam para encerramento de escolas, Alexandra Atanásio Beja diz que “o governo deverá prever uma exceção em que a escola só abre para crianças de pais que exerçam profissões de primeira linha (médicos, enfermeiros, policias, trabalhadores de supermercado, etc…). Há situações em que os pais têm de estar na linha da frente e tem de haver resposta para as crianças. Tal como aconteceu no primeiro confinamento”, recorda.
Nestas declarações à Renascença, Alexandra Beja reveal que, em tempos de pandemia, aumentaram os processo ligados à família e menores, “muitos processos de incumprimento por temerem contágios, pais que defendem que a criança fique só com um dos progenitores para não haver contágios".
"Ainda há pouco tempo tive uma situação de uma mãe positiva que tinha duas filhas que não estavam positivas e o pai queria que elas não estivessem com a mãe. Apesar de terem mais de 12 anos levantou-se a questão se poderiam ficar sozinhas em casa, com uma mãe isolada num quarto", explica. Alexandra Beja considera que “as pessoas não estavam habituadas a estar confinadas todas juntas num mesmo espaço. Gerou violência doméstica e maus tratos a menores, mais disputas entre casais. Incumprimentos na partilha de menores, processos de alteração de regulação parental, etc.”.
Com o agravar da pandemia, também muitos os pais ponderaram não levar os filhos à escola e assumirem a decisão, mesmo sem possibilidade de justificação de faltas que podem levar ao chumbo de ano. Esta advogada recorda que os pais que avancem para essa decisão, sem qualquer justificação clinica, podem enfrentar problemas. “Para as crianças não irem à escola têm de justificar as faltas. Quando as crianças não aparecem a escola denuncia a situação à Comissão Nacional de Proteção de Jovens que avalia a questão e caso a intervenção junto dos pais não tenha sucesso a Comissão informa o Ministério Público que avaliará a situação e promoverá, ou não, um processo judicial onde os pais vão ter de responder”, remata.