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Estado de emergência

Qual a responsabilidade de médicos, enfermeiros e hospitais em medicina de catástrofe?

21 jan, 2021 - 20:23 • Marina Pimentel

"Não há um nenhum afastamento das regras gerais do Direito por estarmos numa situação de emergência", diz André Dias Pereira à Renascença.

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A situação de emergência e falta de meios que o país está a viver quer para tratar doentes Covid quer não Covid não isenta os profissionais de saúde das diferentes formas de responsabilidade jurídica: disciplinar, civil e criminal .

"Não há um nenhum afastamento das regras gerais do Direito por estarmos numa situação de emergência", diz André Dias Pereira à Renascença. O especialista em Direito da Saúde afirma no entanto que "é evidente que, estando nós numa situação de medicina de catástrofe, o juiz terá que avaliar quer a ilicitude quer a culpa do comportamento dos profissionais de saúde em função do caso concreto e à luz das dificuldades de trabalho existentes”.

O professor na Faculdade de Direito de Coimbra explica que, “embora possa ser contrário às boas praticas médicas não ligar um doente a um ventilador ou não lhe dar oxigénio, se esses meios não existem, a responsabilidade do médico ou do enfermeiro é pouca ou nenhuma”.

André Dias Pereira defende no entanto que declarações de escusa de responsabilidade genéricas, como as que a Ordem dos Enfermeiros disponibilizou aos seus associados, ”têm um valor jurídico muito baixo ou nulo”. Explica que o que médicos e enfermeiros devem fazer “é um protesto ao seu superior hierárquico, dando-lhe conta de que não têm condições para poder exercer as boas práticas da medicina ou da enfermagem”, por exemplo, “não ter descanso diário, não ter medicamentos, ou ter um fluxo de doentes anormal que o impedem de chegar a todos”.

Essa reclamação, sim, “protege o profissional de saúde de uma eventual responsabilidade criminal”, sustenta André Dias Pereira, "porque o Ministério Público abre um inquérito mas vê que a pessoa trabalhava no limite e sem meios e naturalmente a consequência que tira é o arquivamento do processo”.

E quanto aos hospitais, em que condições podem ser responsabilizados? O professor de Direito da Saúde explica que, se estivermos a falar de um hospital público, aplica-se uma lei especial, a lei 67 de 2007, que prevê a culpa por mau funcionamento do serviço.

“Quando o hospital não cumpre os padrões normais e adequados ou tem um funcionamento anormal pode haver responsabilidade civil do hospital”, diz, “mas claro que os Tribunais Administrativos também vão ler essa norma à luz das circunstâncias concretas de pandemia que estamos a viver e irão por isso ter critérios mais estritos na aplicação da norma”.

André Dias Pereira defende que “não será qualquer caso que dará origem a responsabilidade civil da parte do hospital mas muitos casos poderão dar, se o serviço não se consegue adaptar à extrema afluência de doentes e está a funcionar em circunstâncias absolutamente deficitárias.” Diz que “é por isso que todas as administrações dos hospitais têm de estar a fazer todos os esforços para aumentar o número de vagas nos cuidados intensivos ou para adquirir mais oxigénio.”

O jurista defende que “ embora as notícias que temos sejam de que todos estão a dar o seu melhor , há uma porta que está aberta para a responsabilização, até porque os hospitais gozam atualmente de grande autonomia, não têm de pedir como antes autorização ao Ministro das Finanças para contratarem médicos e enfermeiros ou para comprarem oxigénio. Essa é uma desculpa que dificilmente um administração hospitalar poderá invocar!”. André Dias Pereira defende que “se há um aumento da procura tem de haver um aumento da resposta”.

O jurista “não acredita que vamos ter uma avalanche de processos, até porque é sempre muito difícil para a vítima provar a culpa”. Mas adverte que “um Tribunal Administrativo não deixaria de condenar um hospital que deixasse na ambulância horas a fio um doente a precisar de oxigénio” ou que “não fosse ao mercado procurar médicos e enfermeiros, em nome da contenção orçamental”.

Aliás sobre o argumento da falta de médicos, André Dias Pereira pergunta qual será a razão pela qual licenciados em Medicina noutros países, portugueses ou estrangeiros, “têm de esperar meses e anos para verem a sua licenciatura reconhecida e serem autorizados a exercer em Portugal”. Diz que conhece vários casos, sobretudo oriundos do Brasil e da Venezuela.

André Dias Pereira explica que em matéria de responsabilidade, os médicos e enfermeiros do SNS “estão bastante protegidos porque, sendo funcionários públicos, nos casos de responsabilidade em saúde, é o hospital que paga a indemnização, o funcionário apenas pagará em caso de haver negligencia grosseira”. Situação diferente é a dos hospitais privados ,cujos profissionais de saúde têm de pagar do seu bolso a indemnização que vier a ser fixada pelo Tribunal, cabendo à instituição hospitalar apenas a sua parte, no caso de também ela ser condenada.

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