23 jan, 2021 - 08:16 • José Pedro Frazão
A dois meses do fim do prazo inicial para a limpeza de mato á volta das casas, o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais defende em público aquilo que diz já ter proposto ao Governo. Em declarações à Renascença, emitidas no programa "Da Capa à Contracapa", Tiago Oliveira confirma já ter aconselhado a tutela a diminuir a faixa de terrenos a limpar pelos proprietários em torno das habitações de 50 para 30 metros.
"Está demonstrado tecnicamente que faz mais sentido fazer 30 metros. A proposta que nós fizemos é nesse sentido. Compete agora ao poder político tomar o juízo e perceber se é 30 ou é 50. Vamos ver o que a lei vai produzir", confirma Tiago Oliveira, convidado do programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde se debateu o livro "Incêndios rurais em Portugal" da autoria de António Bento-Gonçalves, professor da Universidade do Minho e Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos.
O presidente da AGIF mostra concordância com Bento-Gonçalves cita "imensos estudos a nível internacional" que mostram que acima dos 30 metros "não se ganha nada em termos de segurança". O autor do ensaio agora lançado considera que o contexto socio-demográfico do país também concorre para a mudança da legislação.
" Isto faz a toda a diferença, porque limpar 50 metros em vez de 30 obriga a limpar cerca de um hectare em vez de cerca de 2.800 metros quadrados. Estamos a falar populações envelhecidas, sem dinheiro, que gastam num ano aquilo que em termos de segurança poderiam gastar em três anos", argumenta Bento-Gonçalves.
Ambos os convidados do "Da Capa à Contracapa" acreditam que a gestão de combustíveis em torno do edificado é sobretudo uma questão de cidadania, superando eventuais obstáculos logísticos que a pandemia faz supor também a este nível.
"Os tais que podem limpar, quem já está mentalizado, quem já tem a noção, quem tem esta cultura de autoproteção irá fazer sempre esse esforço", considera Bento-Gonçalves. Tiago Oliveira concorda que quem está preocupado, limpou nos últimos anos e vai continuar a limpar o mato à volta da sua casa e não vai esperar pela tragédia. E no plano das empresas sublinha que empresas como a EDP, REN, BRISA ou a Infraestruturas de Portugal conseguiram até aumentar o ano passado as áreas tratadas durante a pandemia.
O prazo legal neste momento para essas operações é 15 de março. Será que vamos ter outra vez uma prorrogação da data limite para limpar terrenos?
"É uma decisão que compete ao Governo. O que nos parece é que a limpeza dos matos pode acontecer durante toda a época de inverno em particular. Julgo que é possível ser feita até maio/ junho. Aqui a questão legal compete ao Governo que deve determinar se há ou não uma extensão do prazo", responde Tiago Oliveira, engenheiro florestal que lidera a Agência responsável pela coordenação estratégia em termos de fogos florestais.
O líder da AGIF anuncia que este ano vai ser feita uma campanha nas escolas para sensibilizar os jovens para comportamentos corretos sobre o fogo, envolvendo crianças, professores, agricultores ou operadores florestais.
Oliveira concorda que a prevenção vai ser o comportamento a adotar por todo os que verdadeiramente valorizam o património natural. "Há aqui uma questão fundamental que está no Plano Integrado de Gestão dos Fogos Rurais que é o Valor. O valor das coisas, o valor da terra, o valor da propriedade, o valor da floresta. Porque quem aprecia aquele valor vai ter comportamentos que o vão proteger", insiste Tiago Oliveira.
A valorização do património florestal implica isso mesmo. " Só tendo valor é que vai permitir as pessoas cuidarem. Uma pessoa só cuida daquilo que valoriza", alerta Oliveira que defende uma regulação económica por parte do Estado e uma remuneração aos diversos atores envolvidos no ambiente florestal.
"Desde os empreiteiros aos proprietários, têm que prestar um serviço que preste lenha, madeira, mas também outros serviços de natureza ambiental e têm que ser remunerados por isso como o sequestro de carbono ou a biodiversidade. Há um processo em curso relativamente a essa dimensão", assegura o presidente da AGIF.
O objetivo para este ano é reduzir de 10600 incêndios para uma faixa entre os 7.000 e os 7.500 fogos florestais em 2021. Oliveira diz que essa diminuição já era bastante importante, mas isso não acaba com a incapacidade de o dispositivo lidar com grandes incêndios em Portugal.
"Naqueles dias muito quentes, se o número de acidentes e de incendiarismo se mantiver, nunca vamos ter um sistema de combate que resolva o problema. Porque o nosso território e a nossa gestão florestal não têm escala, não têm capacidade de gerir os combustíveis à escala com que o fenómeno se expressa", avisa o líder da agência que faz a gestão integrada dos fogos rurais em Portugal.