29 jan, 2021 - 15:20 • Rosário Silva
Professora há mais de três décadas, Felismina Mendes nunca imaginou que, um dia, em circunstâncias excecionais, seria o “braço forte” da Escola Superior de Enfermagem de S. João de Deus da Universidade de Évora (UÉ), cuja direção assumiu há quatro anos.
“Tem disso duro, mas muito enriquecedor e, quando a 9 de março começamos a lidar com a situação, nunca pensei que fosse assim”, confessa, no dia em que apresentou à Renascença, o mais recente projeto da instituição para ajudar no combate à pandemia.
O centro de rastreio de contatos foi criado em “tempo recorde”, para responder a uma solicitação da Administração Regional de Saúde do Alentejo (ARSA), no âmbito de uma colaboração que não é de agora.
“Nós já colaborávamos com a autoridade de saúde e com a comunidade, fazendo testagem, por isso quando nos foi proposto o desafio e com os recursos que temos, não podíamos dizer que não”, conta-nos a responsável da escola de enfermagem da academia alentejana.
Motivados os alunos das licenciaturas de Enfermagem e Psicologia, são agora 46, os que, em regime de voluntariado e a partir das instalações da escola, já estão a contribuir para reforçar, tanto a monitorização dos contactos dos doentes de covid-19, como o acompanhamento telefónico a estes doentes, que permanecem em isolamento em suas casas.
“Não é uma situação fácil, contactar estas pessoas”, reconhece Felismina Mendes, pois “algumas até estão sozinhas”, e os jovens, “de repente, são confrontados com angústias, muitas vezes com o desespero, mas é uma experiência que nunca mais vão esquecer, mesmo não estando na chamada linha da frente”.
Na prática os futuros profissionais de saúde, fazem o contacto telefónico e com base num questionário, recolhem informação que, depois, é registada na plataforma digital da ARSA, para que esta entidade possa responder de forma célere e direcionada às diferentes necessidades e situações relatadas.
“Para já está tudo a correu muito bem, mas é preciso que todos nos continuemos a empenhar para vencermos esta pandemia, pois tudo o que pudermos dar a estas pessoas, elas ficam muito gratas”, adianta.
“Humanização é não nos esquecermos do outro”
A dimensão da humanização é, há muito, um aspeto fundamental na área da saúde e na formação dos futuros profissionais. Felismina Mendes sabe que, por vezes, na abordagem aos cuidados e à pessoa, “permanece aquela sensação de que é uma questão teórica”. Nada como uma situação real para colocar em prática um conceito que também salva vidas.
“É nestas alturas quando eles, de facto, se confrontam com estas questões que entendem a importância dos cuidados, o ter uma voz do outro lado que ameniza o desespero e, acredite, já perceberam isso em muitos telefonemas que fizeram”, afiança a diretora da escola superior de enfermagem.
“Isto é não deixar as pessoas esquecidas”, enfatiza, “é uma voz que está deste lado que se preocupa, que ajuda, que pode orientar, que pode encaminhar e a humanização também é isso, é não nos esquecermos do outro que está em casa a sofrer e, neste caso, a sofrer muito”.
Para esta responsável, estes curtos telefonemas, em muitos casos, toda a diferença.
“São importantes porque não pode acontecer pessoas morrerem sozinhas em casa. Já morreram demasiadas pessoas nesta pandemia, com toda a gente à volta nos hospitais, agora, morrer sozinho em casa, por falta de cuidados, por falta de orientação, por falta de saber onde se dirigir e o que fazer, não pode acontecer”, insiste.
Além de diretora da instituição, Felismina Mendes integra a task-force da UÉ para a covid, além de um outro grupo de trabalho, com diversos professores, também ligado à pandemia.
“Tem sido um desafio muito exigente”, admite, entre sorrisos. “Cheguei a receber 250 emails num só dia, com questões ligadas à covid e, garanto-lhe, nenhum ficou sem resposta”.
Sobre as criticas à alegada falta de planeamento em todo este processo, a professora diz compreender que “as pessoas queiram uma resposta rápida”, mas também “devem ter a noção que “em situações de catástrofe, como a que vivemos”, muitas vezes só é possível “gerir dia a dia, hora a hora”, pois há situações para as quais “não há planeamento possível”.
Há um ano que é assim, sem horários, sem folgas nem férias, sempre em alerta. “É difícil? perguntamos. “É muito duro”, responde. “Chego ao fim do dia, exausta, mas com a sensação de dever cumprido e isso é o que me dá forças para continuar”.
Alunos voluntários proactivos, expectativas superadas.
A acompanhar de perto este grupo de alunos, a enfermeira Fernanda Oliveira percorre diariamente as salas deste improvisado centro de rastreio, procurando dar resposta a todas as dúvidas que vão surgindo.
“Tem sido uma experiência muito positiva, quer pela recetividade das pessoas que são contatadas, quer pela excelente colaboração destes estudantes de enfermagem que prontamente se disponibilizaram para colaborar connosco”, destaca, à nossa reportagem, a profissional de saúde.
“O nosso objetivo é contactar as pessoas que constam de uma lista muito extensa que temos em base de dados, e que testaram positivo para a covid-19”, recorda a enfermeira da equipa de saúde pública, “para as tranquilizarmos, dizer-lhes que devem ficar em casa, perceber se vivem sozinhas ou não, e saber se outros elementos do agregado familiar estão infetados”.
Este trabalho de proximidade, mesmo que à distância de um telefonema, passa também por “deixar algumas recomendações”, pedindo às pessoas, sempre que possível, que elaborem “uma lista de contactos com quem estiveram 48 horas antes do inicio dos sintomas ou da realização do teste”, acrescenta Fernanda Oliveira, “para depois ser realizado um inquérito epidemiológico pela equipa da unidade de saúde publica”.
O projeto, que abrange a área geográfica do Alentejo central, está a revelar-se muito positivo. “Superou as expectativas, sim”, reconhece, satisfeita, esta profissional.
“Estes alunos foram extremamente proactivos, organizaram-se e organizaram um horário. Tínhamos projetado para três semanas, mas estamos a prever que os contactos fiquem feitos até ao final da semana, o que para nós é muito bom”, adiciona Fernanda Oliveira.
“Estas pessoas ficam mesmo felizes por nos ouvir”
E enquanto a Renascença conversava com a enfermeira, numa das salas deste improvisado centro de rastreio, Maria, infetada com covid, respondia a um conjunto de perguntas formuladas pela aluna de enfermagem Catarina Aguiar.
Ao lado, Sofia Marques dá-nos as explicações. “Perguntamos se as pessoas precisam de algum apoio, se estão a ser acompanhadas pelo médico de família, se estão confinadas, com quem moram e deixamos algumas recomendações como a lavagem frequente das mãos, usar máscara, ter um quarto só para si se for possível ou desinfetar muito bem a casa de banho”.
Os conselhos são bem aceites por quem está em isolamento, contam-nos estas voluntárias, que olham para a experiência como uma mais-valia também para si próprias. “Considero que é uma vantagem para nós, pois estamos a fazer algo importante pela nossa sociedade e para o nosso futuro profissional”, diz-nos Maria Cardador, também aluna de enfermagem.
A mesma opinião tem a jovem Margarida Oliveira. Confessa que “é uma experiencia muito boa”, especialmente por “saber que as pessoas gostam de ouvir a nossa voz”. Apesar do contexto difícil, esta estudante não tem dúvidas de que “estamos a ajudar estas pessoas que ficam mesmo felizes por nos ouvir, pois há quem não tenha ninguém”.