03 fev, 2021 - 14:46 • Sandra Afonso
O ministro das Infraestruturas critica o atraso europeu na ajuda à ferrovia. Segundo Pedro Nuno Santos, o transporte ferroviário devia ter recebido a mesma urgência que mereceram as companhias aéreas, na resposta ao impacto da pandemia.
“A Europa devia ter avançado para ajudar os operadores ferroviários com a mesma rapidez com que avançamos para resgatar companhias aéreas. É evidente que o setor ferroviário precisará de ser ajudado pelos Estados, ainda para mais se queremos que ele esteja no centro da recuperação económica”, diz o ministro.
“O caminho-de-ferro não conseguirá responder aos objetivos da estratégia para a mobilidade inteligente e sustentável do Pacto Ecológico Europeu, e sobretudo aquilo que as sociedades esperam dele, se estiver a braços com dificuldades financeiras.”
O ministro falava no encerramento da conferência “Portugal Railway Summit”, onde defendeu que a ferrovia é prioritária para a presidência portuguesa da União Europeia.
O governante diz que esta é a altura certa para este debate e Portugal está alinhado com os objetivos estratégicos da Europa, mas deixa avisos para dentro e para fora do país: é ambição a mais para o investimento atual.
“Estes são objetivos ambiciosos e nós estamos completamente alinhados com eles, mas é preciso saber o que é preciso para os concretizar. Para que seja possível duplicar o transporte de mercadorias e triplicar o transporte de passageiros por ferrovia, será preciso construir milhares de quilómetros de novas vias férias por toda a Europa, isso não é possível com os atuais níveis de investimento, e ainda nem sequer falamos sobre o que é preciso para retirar automóveis das grandes cidades.”
“É fácil colocar objetivos ambiciosos no papel ou nuns slides, mas depois é preciso que as políticas e as decisões os acompanhem. Esta mensagem vale tanto para nós como para o resto da Europa”, explicou ainda o ministro.
Para Pedro Nuno Santos, a Europa começa a perceber a importância do investimento público na ferrovia, estão a ser questionados os modelos dos últimos 30 anos. É por isso o momento de repensar os subsídios ao sector.
“Acho que é chegada a altura de fazer o que verdadeiramente nunca foi feito, e avaliar os resultados dos quatro pacotes ferroviários, não pela bitola da liberalização e da concorrência, mas pela bitola do serviço ao passageiro, do serviço público, do bem público que o caminho-de-ferro deve ser”.
No plano interno, o governante recorda o discurso que fez há um ano, quando o objectivo em Portugal era que os comboios chegassem à estação e sem atrasos. Hoje, não está tudo feito, mas são visíveis progressos em todas as linhas. “Os problemas não estão todos resolvidos, mas hoje posso vir aqui dizer-vos que temos as obras em todos os principais corredores ferroviários do país já no terreno ou em concurso e que conseguimos recuperar material circulante suficiente para reduzir as supressões ao mínimo, sobrando apenas aqueles casos simples imprevistos, que é impossível evitar.”
“Independentemente das medidas Covid, a CP tem mantido 100% da oferta a funcionar, nos Serviços urbanos e regionais, precisamente aqueles onde tínhamos mais problemas.”
O Ministro reafirma que o governo tem uma visão estratégica para o caminho-de-ferro, que passa pela recuperação e modernização de material circulante e compra de novos comboios, que deverá garantir as necessidades até 2030, com primazia para a produção nacional.
“Estamos a avançar para lançar o primeiro concurso muito em breve. Mas estamos a preparar os concursos de forma a que, dentro das regras, possamos valorizar as propostas que tenham um máximo de incorporação da indústria nacional.”
Pedro Nuno Santos destaca ainda a criação em Portugal do Centro de Competências da Ferrovia, que “vai permitir formar quadros especializados e promover a investigação e inovação ferroviária” e que já está pronto para que possa começar a funcionar.
Na infraestrutura, há três grandes objetivos para a próxima década: concluir a eletrificação e modernização de toda a rede, resolver os estrangulamentos nas áreas metropolitanas e criar um eixo de alta velocidade entre o Porto e Lisboa, estendendo-o depois para norte até à Galiza. Haverá ainda vários pontos de ligação à linha do Norte e do Oeste.
O Ministro fala numa “revolução na estrutura do território, o tipo de relações pessoais, familiares e económicas que se podem estabelecer também muda completamente”. Segundo Pedro Nuno Santos, “é a nossa capacidade de afirmação enquanto país, que passa a ter uma metrópole de escala europeia com cerca de oito milhões de habitantes”. O país vai andar um ano a falar dos comboios, garante o governante, mas por bons motivos.
O Executivo quer ainda resgatar o “património riquíssimo” do caminho-de-ferro, à semelhança do que foi feito no verão com o comboio Miradouro, onde “com as carruagens Schindler recuperadas se transformou mais um comboio inter-regional num produto turístico de referência”.
Há linhas, estações, carruagens e locomotivas para recuperar e Pedro Nuno Santos deixa mais um exemplo: na última semana a CP resgatou “a última das carruagens napolitanas que se encontravam na estação do Tua, são carruagens de via estreita fabricadas em Itália nos anos 30, uma verdadeira preciosidade, apenas seis sobram em Portugal, duas delas já estão recuperadas”. Cinco deverão estar a circular na linha do Vouga no próximo verão e levar crianças e jovens da região para andar de comboio, segundo o ministro.