04 fev, 2021 - 17:01 • Liliana Monteiro
João Valente, o médico do INEM que encontrou Ihor Homeniuk sem vida, no Centro de Instalação (CIT) do SEF no aeroporto de Lisboa, explicou ao início da tarde ao coletivo de juízes que julga o caso que encontrou o passageiro ucraniano em paragem cardiorrespiratória com um hematoma na testa e o corpo com manchas azuis e esbranquiçadas.
A procuradora do Ministério Público, Leonor Machado, quis saber porque não tinha o medico do INEM registado as manchas e o hematoma no relatório do óbito. A testemunha referiu que as manchas encontradas eram compatíveis com a paragem cardiorrespiratória e que não pareceu útil acrescentar que a vítima tinha um hematoma.
De acordo com a acusação, “cerca das 16h43 desse dia [12 março 2020], deslocaram-se à sala os inspetores com o propósito de dali transferirem o ofendido para embarcar de novo com destino a Istambul e verificaram então que o ofendido não reagia. (…) Por esse motivo e decorridas algumas horas, foi acionado o Instituto Nacional de Emergência Médica e uma viatura médica de emergência, sendo que o médico de serviço desta última tripulação, verificou o óbito de Ihor Homeniuk, cerca das 18h40, sendo que apenas escreveu no boletim: “em paragem respiratória presenciada após crise convulsiva”.
Questionado ainda sobre como tinha chegado à conclusão do que se teria passado com o passageiro, o médico do INEM respondeu que a informação de que teria morrido na sequência de uma crise convulsiva foi-lhe comunicada na altura por uma enfermeira no local.
“Ele falava bem russo”
Várias vezes se questionaram testemunhas do processo sobre se teria existido algum intérprete para que se percebesse o que dizia Ihor Homeniuk e para garantir que ele compreendesse o que lhe estava a acontecer, mas nenhuma testemunha diz ter-se cruzado com qualquer profissional que fizesse tradução.
Um dos enfermeiros ouvidos garante que os inspetores lhe disseram que o técnico de tradução também não percebia o passageiro.
A comunicação era feita exclusivamente por gestos, mas houve uma pessoa importante em boa parte do percurso do cidadão ucraniano que morreu no CIT a 12 março de 2020, uma inspetora do SEF que tem nacionalidade russa e que é inspetora do SEF. Irina Fonseca foi a única pessoa que conseguiu estabelecer comunicação com Ihor e também ela foi ouvida esta quinta-feira em tribunal.
A inspetora disse que começou por contactar com ele na entrevista que o SEF lhe fez à chegada ao nosso país. “Ele falava bem. Falámos sempre em russo. Disse que vinha para trabalhos agrícolas, mas que tinha hipótese de trabalhar numa empresa que reconstrução de fachadas”.
Perguntado se tinha contrato terá dito que ia assinar no dia seguinte (dia 11 de março 2020) e que tinha promessa de um salário de 1.200 euros.
Irina serviu de intérprete quando a vítima teve de receber assistência no Hospital de Santa Maria e também quando entrou no CIT. Aí diz que começou a notar nele alterações e um discurso que lhe fazia pouco sentido. “Ele estava alterado e dizia que tinha de ganhar dinheiro para uma passagem para a Bélgica. Que queria dinheiro para pãezinhos. Percebi que a situação mental não estava bem”.
Estava “extremamente nervoso e a chorar muito. Estava mais desesperado do que propriamente agressivo”, disse ainda.
A testemunha, que ainda desempenha funções de inspetora no SEF descreveu ainda o Centro de Instalação Temporária do aeroporto como sendo tendo “condições deploráveis”, lembrando que a capacidade será para 60 pessoas, mas acolhe muitas vezes 90 a 100 passageiros no local.