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Ensino Superior à distância “é solução de recurso”. Há alunos sem net “às portas das grandes cidades”

10 fev, 2021 - 07:17 • Cristina Nascimento

Presidente do Conselho de Reitores das Universidades considera que o ensino à distância “é uma solução de recurso, para usar durante o mínimo tempo possível”, e garante que pandemia trouxe mais alunos ao Superior. Estudantes e professores sentem dificuldades acrescidas.

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Pelo segundo ano letivo consecutivo, também os estudantes do Ensino Superior veem a sua vida alterada. Não houve Queima das Fitas, não houve praxes, mas, muito mais relevante do que as festas académicas, há quase um ano que as salas de aulas, os laboratórios, os anfiteatros e as oficinas estão quase vazias para evitar a propagação da Covid-19.

“A universidade tem muito de convívio, de ‘network’, de discussão franca, de confronto de ideias, de discussão, às vezes até um bocadinho acicatada, e é disso que nasce o conhecimento. O ensino à distância não permite nada disso”, diz à Renascença o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António de Sousa Pereira.

O também reitor da Universidade do Porto reconhece que a situação “incontornável” tem também “aspetos muito positivos”, mas admite que este tipo de ensino à distância “é uma solução de recurso, para usar durante o mínimo tempo possível”.

“Num curso de Medicina Dentária, um aluno não aprende a tratar dentes à distância, da mesma maneira que um aluno de Medicina que está no seu estágio clinico não aprende a ver doentes à distância, nem aprende a ter atitudes e competências à distância; um aluno de Química que tem de fazer experiências laboratoriais não adquire essas competências à distância”, exemplifica, admitindo que se for necessário, tal como aconteceu no ano letivo passado, os cursos podem vir a ser prolongados, sobretudo os que têm uma vertente mais prática.

“Ou prolongados ou ter as suas cargas horárias reforçadas no sentido de os estudantes poderem adquirir as competências que têm de adquirir”, esclarece António de Sousa Pereira.

“Temos que ter a noção que esse tipo de competências exige a frequência de instalações com um elevado grau de complexidade e vamos ter que dar aos alunos a possibilidade de terem essa frequência e abrir portas e reforçar, quando for possível, as suas atividades para eles terem essas competências realmente adquiridas quando abandonarem a universidade”, assegura.


"Ensino à distância é uma solução de recurso, para usar durante o mínimo tempo possível"

Estudantes pior preparados?

A ideia do prolongamento ou reforço das vertentes práticas é algo a que os estudantes “são sensíveis”, mas não chega, diz à Renascença a presidente da Federação Académica de Lisboa, Sofia Escária.

“A questão que se coloca é se, no espaço de uma ou duas semanas intensivas, se consegue recuperar um semestre inteiro. Os estudantes são sensíveis a essa questão, simplesmente continuam a sentir que ficam pior preparados do que em anos anteriores, mesmo com essa compensação”, explica.

Mariana Gaio Alves tem uma visão diferente. A presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) reconhece que este ensino à distância não segue “as mesmas estratégias e as mesmas práticas do ensino presencial”, mas recusa que possa ser colocado “um rótulo a estes alunos de uma menor qualidade”.

Há computadores, mas falta net

Tal como acontece nos graus de escolaridade obrigatória, também no Ensino Superior há muitos alunos que não tinham os equipamentos necessários para acompanhar as aulas online.

Não há números certos sobre quantos alunos se encontravam nesta situação, mas o presidente do CRUP garante que os problemas foram ultrapassados.

“Conseguimos, na generalidade dos casos, identificar as situações em que isso acontecia e criámos programas para suprir essas necessidades e fornecemos equipamento aos estudantes”, explica, dando novamente o exemplo do que aconteceu na Universidade do Porto.

“Foi pedida a colaboração das associações de estudantes no sentido de identificar estudantes que tivessem dificuldade e que, por qualquer razão, não manifestassem, mas que os colegas tivessem conhecimento disso dissessem quem eram. Portanto, todas as situações que foram identificadas e que nos foram reportadas, foram resolvidas”, assegura.

E de onde vieram os computadores? De onde foi possível, explica o reitor. “Em alguns sítios, tenho conhecimento que, inclusivamente, computadores que equipam salas de aulas foram retirados das salas pois, neste momento, não estão lá a fazer nada e foram entregues a estudantes para eles em casa poderem ter computadores com que trabalhar”.


"Temos de investir muito na ação social escolar para que estes jovens que acudiram à universidade em muito maior número não a abandonem por falta de condições"

Apesar do esforço, há uma questão essencial que não é fácil resolver: cobertura de internet.

“Até podemos dar um router... Não adianta, não serve, se ele [estudante] não tem rede no sítio onde mora”, diz Sousa Pereira.

O reitor da Universidade do Porto garante que a situação é muito mais frequente do que se pensa. “É errado pensar que isto só acontece nas zonas recônditas do país, acontece aqui às portas das grandes cidades. E muitas vezes há nós cegos dentro das próprias cidades e muitas vezes dentro dos edifícios”, descreve aquilo que diz serem “questões que são quase inultrapassáveis”.

Sofia Escária corrobora o cenário traçado pelo reitor e acrescenta a falta de condições também em casa para seguir as aulas. “Há muitos que têm de estar a trabalhar numa casa que não tem acesso à internet ou que tem muito ruído, não têm um sítio no qual possam estudar ou acompanhar as aulas de forma descansada”, diz a presidente da Federação Académica de Lisboa, para quem estes são “os principais problemas na questão do ensino à distância”.

E do lado dos professores?

Mariana Gaio Alves, do SNESUP, diz que “é cada vez mais premente” fazer um levantamento sobre “os recursos dos professores para trabalharem nesta situação à distância”, porque há “colegas que podem habitar em zonas mais remotas, com maior dificuldade de acesso à internet”, diz a sindicalista.

No entanto, adianta Mariana Gaio Alves, no que diz respeito aos recursos, a questão mais vezes levantada pelos docentes é sobre a utilização de material próprio.

“Em muitos, muitos casos os colegas referem que estão em casa, a utilizar equipamentos que, em muitos casos, são adquiridos pelos próprios e de estarem a usar o próprio espaço da sua casa”, descreve, acrescentando que “o regime legal de teletrabalho prevê que os empregadores devem garantir os recursos para as pessoas estarem a fazer o seu trabalho em casa”.

Pandemia trouxe mais alunos, mas também há quem pense em desistir

Numa outra perspetiva sobre o impacto da Covid-19 no setor, o presidente do Conselho de Reitores revela que, “contrariamente ao que se pensava, no concurso de acesso que decorreu em plena pandemia, a frequência do Ensino Superior aumentou e muito”.

Sousa Pereira tem uma explicação para o fenómeno. “A pandemia, ao instalar uma crise económica sem precedentes, alertou também as consciências dos jovens que perceberam, de uma forma óbvia, que a solução para lutar contra o desemprego é ter mais qualificações”, diz.

“Tínhamos uma sociedade em que era extremamente fácil arranjar emprego, às vezes empregos mal pagos, mas havia essa atração por parte do mercado. E havia muitos jovens que, perante a perspetiva de estarem mais uns quantos anos a estudar e sem ganhar e a alternativa de irem trabalhar de imediato, optavam por ir trabalhar de imediato”, descreve.

Sousa Pereira é da opinião que “a crise, com os aspetos de que se revestiu, ao criar um desemprego maciço precisamente nesses setores em que o emprego era fácil, veio mostrar aos jovens que a solução para ter um emprego bem pago e duradouro é ter qualificações".

Por isso, o presidente dos reitores apela a um forte investimento para que seja possível manter no Ensino Superior todos os que cá chegaram.

“Temos de investir muito, não as universidades, mas o país como um todo, na ação social escolar que é para aproveitar esta onda e fazer com que estes jovens que acudiram às universidades em muito maior número do que aquilo que era tradicional, não a abandonem precisamente por falta de condições”, diz.

Reitor quer retoma progressiva do ensino presencial em março

Mas se Sousa Pereira não vê sinais de abandono escolar devido à pandemia, Sofia Escária e Mariana Gaio Alves têm opiniões diferentes.

A presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior garante ter conhecimento de trabalhadores-estudantes que, perante a crise económica que já se instalou, não viram outra opção senão deixar os estudos.

“Sabemos que surgiram dificuldades acrescidas para estes alunos, quer por maior escassez de acesso aos trabalhos pontuais e ocasionais que desempenhavam para complementar o rendimento, quer noutros casos que manifestaram maiores dificuldades em conciliar o trabalho com o estudo, por ser à distância”, assegura.

Já a presidente da Federação Académica de Lisboa, Sofia Escária sabe de quem tenha desistido ou esteja a pensar desistir por outras razões: não vê utilidade no “canudo” tirado à distância.

“Falámos com vários estudantes dos cursos da Faculdade de Motricidade Humana, da Escola Superior de Dança, mesmo de Belas Artes, em que as pessoas questionam 'o que é que eu estou aqui a fazer, isto não me serve de nada'. Este ensino à distância vai-lhes dar muito pouca componente prática que eles precisam para adquirir os conhecimentos e as competências necessárias”, diz.

O Conselho de Reitores reconhece que o ensino presencial é essencial e, se dependesse do seu presidente, os alunos regressavam já, nem que fosse parcialmente, no início de março.

“Estou convencido que, no início de março, ainda estaremos numa situação do país em que teremos sobretudo ensino à distância, embora eu desejasse muito que, nas áreas clínica, laboratoriais e oficinais, com condições muito apertadas de segurança, pudesse haver o retomar dessas atividades de forma a podermos, no final de julho, entregar os diplomas aos nossos estudantes com a consciência de que estamos verdadeiramente a lançar no mercado de trabalho pessoas que têm as competências que nós atestámos que eles têm”, remata.

A Renascença quis ouvir o Ministério do Ensino Superior sobre os desafios, dificuldades e impacto do ensino à distância nas universidades e politécnicos, mas não foi possível.

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  • M G
    10 fev, 2021 Almeida 08:44
    diz-se e escreve-se: "mais mal preparados". Não se diz nem se escreve "pior preparados".

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