12 fev, 2021 - 07:29 • Vítor Mesquita
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Já fez mais de mil inquéritos epidemiológicos. Diz tratar-se de um trabalho de detetive, que impede o avanço das cadeias de transmissão. A imagem é utilizada pelo médico de saúde pública Gustavo Tato Borges.
“Às vezes, estamos ali a perguntar pormenores muito específicos da vida de uma pessoa, que acha estranho. Contudo, se não o fizermos não vamos conseguir perceber de onde é que veio a doença, para onde pode ter ido e cortar essa cadeia de transmissão”, refere.
Uma vez estabelecido o contacto com o caso positivo, há um guião inevitável. Tato Borges explica que “a primeira pergunta é tentar perceber se esta pessoa, que foi identificada como positiva, fez o teste por ter sintomas, há quanto tempo tinha sintomas e se tem conhecimento no seu redor se existia alguém, já positivo, para perceber donde veio esta infeção”.
Para apertar a malha e definir contactos de alto risco, as perguntas prosseguem. “Onde foi esse contacto, em que contexto, se aconteceu durante o almoço, se aconteceu no trabalho. E, ao identificarmos estas pessoas, pedimos os dados delas, o nome e o contacto telefónico, e a seguir ligamos”.
"Às vezes, as pessoas não querem contar tudo e onde estiveram para protegerem colegas que, se deixarem de ir trabalhar, acabam por não ter dinheiro"
O médico de saúde pública acrescenta que os contactos de alto risco, e até de baixo risco, são contactados para perceber se esse encontro “foi relativamente curto e sem problemas”. Depois voltamos a fazer as perguntas: “se conhece a pessoa A, se esteve com ela, se trabalha com ele, se já sabe que ele é positivo, como foi o contacto entre ambos.”
Distância, tempo e proteção são pontos centrais da abordagem. Onde esteve, como esteve, como quem esteve, qual a proximidade, durante quanto tempo? Há também a necessidade de ir para lá dos contactos imediatos e de contornar outras dificuldades, com “o caso a acabar por dizer que não tem o telefone do colega de trabalho ou de um contacto social, de um amigo de um amigo, com quem esteve junto na mesma mesa e não tem o telefone dele; vai buscá-lo” e o telefonema acontece mais tarde, para esse esclarecimento.
O médico explica também que, “por vezes, temos até de ligar para a empresa da pessoa, para falar com o responsável dos recursos humanos, para retirar os dados das pessoas, perceber como funciona o trabalho, como está organizado para termos uma noção do nível de risco dentro da empresa”.
Tudo é perguntado e um inquérito pode gerar dezenas de novos inquéritos. “Pode estar em causa alguém que trabalhou numa empresa e que não podia usar máscara porque o trabalho não permitia ou alguém que foi ao ginásio e tinha, ao lado, o parceiro de treino, que, agora, também é de risco; ou outro que foi comer com os colegas de trabalho ao restaurante. E um inquérito de um caso pode originar um, dois ou três contactos, com tudo a resolver-se de forma rápida. Ao invés, pode originar 20 ou 30 contactos de alto risco e aí o processo é mais demorado, temos que falar com essas pessoas todas”, explica.
Se o inquérito tiver em média de cinco ou seis contactos e não houver contestação à classificação de alto risco, pode durar cerca de 45 minutos. Embora a qualidade desça um pouco, fruto do número avassalador de casos, Gustavo Tato Borges acrescenta que a prática aturada de meses já permite diminuir esse tempo.
As forças de segurança são importantes para fechar um inquérito epidemiológico. Na unidade de saúde pública SantoTirso/Trofa, Tato Borges lembra um caso de um cidadão que atrasou o processo, pois “nunca deu o seu contacto telefónico e, apesar de a morada ser a correta, a polícia teve que ir a casa dele duas ou três vezes, porque nunca estava em casa. E quando conseguimos ter um tipo de contacto, era o contacto da namorada, era através dela que falávamos com o rapaz”.
"Por vezes, temos até de ligar para a empresa da pessoa para perceber como funciona o trabalho."
Gustavo Tato Borges lembra também que o acordo com o doente e respetivos contactos é fundamental para um trabalho de saúde pública eficaz.
O clínico – que, na atualidade, preside à Comissão de Acompanhamento da Luta contra a Pandemia nos Açores – assinala outros desafios enfrentados por quem realiza inquérito epidemiológicos.
“Às vezes, as pessoas não querem contar tudo aquilo que se passou e onde estiveram para se protegerem a si próprias ou colegas que, se deixarem de ir trabalhar, depois acabam por não ter dinheiro. Temos, também, da parte dos contactos a noção de que vão ser prejudicados e acabam por dizer que não estiveram em contacto com determinada pessoa e acabam por arriscar ir trabalhar. E temos pessoas que são contrárias ao sistema, que não acreditam nesta doença, que consideram que isto é tudo uma brincadeira e não vão ficar em casa”, revela. A essas temos que dizer que “vamos comunicar a situação à polícia e esta lhes pode bater à porta”. Tato Borges explica que, perante situações destas, é feito um trabalho de controlo de emoções.