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Um em cada três profissionais de saúde apresenta níveis de “burnout” severo

22 fev, 2021 - 06:30 • Olímpia Mairos

Estudo da Universidade Portucalense conclui que níveis altos de esgotamento conduzem, habitualmente, a menor envolvimento com o trabalho e a índices inferiores de produtividade e performance, e identifica a resiliência como fator determinante no combate a esta síndrome.

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Os altos níveis de contágio e consequente rutura do setor de saúde provocam efeitos colaterais para além da exaustão física em quem está na linha de frente. É o caso de síndromes emocionais, como o “burnout”, em que um em cada três profissionais de saúde apresentam níveis severos do sintoma. A conclusão é de um estudo da Universidade Portucalense, desenvolvido pelo Research on Economics, Management and Information Technologies (REMIT).

Em entrevista à Renascença, Pedro Ferreira, investigador que participou no estudo, juntamente com Sofia Gomes, considera que o “burnout” entre os profissionais de saúde, neste momento, começa a atingir níveis preocupantes.

“Esta conclusão resulta também da análise de outros três indicadores, que são, no fundo, os três indicadores que compõem a situação do 'burnout' e que são: a exaustão emocional, despersonalização e a realização pessoal”, assinala Pedro Ferreira.

O investigador adianta que “seis em cada dez profissionais de saúde estão com elevada exaustão emocional; três em cada dez estão com níveis elevados de despersonalização e cinco em cada dez com níveis muito baixos de realização pessoal”.

Em termos de percentagens, 58,2% apresentam elevada exaustão emocional (esgotamento emocional traduzido por um grande cansaço no trabalho, acompanhado de uma sensação de vazio e pela dificuldade em lidar com as emoções dos outros); 54,6% apresentam uma elevada perda de realização pessoal (sentimento de insucesso profissional); e 33,7% dos inquiridos apresentam um elevado nível de despersonalização (atitude mais distanciada na prestação de cuidados).

É o conjunto e a combinação destes três fatores que levam os investigadores a concluírem que “os níveis de 'burnout' começam a ser severos com um em cada três profissionais nesta situação”.

Apesar de se tratar de “um fenómeno ocupacional, na realidade tem reflexos na vida profissional e na vida pessoal”, alerta o investigador, indicando que a “nível organizacional, pode levar a menos envolvimento, menos motivação, menos satisfação com o trabalho, a um decréscimo da qualidade efetiva do trabalho e, depois, naturalmente, a quebras de desempenho e de produtividade ao nível pessoal e ao nível individual”.

Mas a síndrome do esgotamento profissional também pode trazer problemas ao nível do bem-estar das pessoas, “dos seus relacionamentos, quer na esfera familiar, quer na esfera dos amigos, porque as pessoas estão exaustas e não têm propriamente vontade de se relacionar com os outros, de estarem preocupados com os outros ou prestar atenção aos outros”, acrescenta Pedro Ferreira.

É importante garantir condições aos profissionais de saúde

Como fator determinante no combate a esta síndrome, os investigadores identificam a resiliência, na medida em que se trata de um processo mental individual de resposta à adversidade ou a situações de stress agudo, que, no fundo, é aquilo que que os profissionais de saúde estão a vivenciar.

“O nosso estudo demonstra exatamente isso: níveis de resiliência mais elevados significam também níveis de realização pessoal mais elevados, mas, simultaneamente, também níveis de exaustão emocional e de despersonalização mais baixo de contexto, desde logo este é um aspeto importante”, indica.

No entanto, Pedro Ferreira alerta que “este é um aspeto que resulta essencialmente das características e da situação individual de cada um”.

Com base no estudo, o investigador defende que “do ponto de vista organizacional e do ponto de vista da gestão das organizações de saúde, é também importante garantir que existem condições para diminuir os níveis de “burnout”. E aponta como essencial a disponibilização de recursos materiais e recursos humanos para a concretização do trabalho.

“Nós também perguntarmos aos profissionais de saúde o que é que eles achavam que se poderia fazer e a sua opinião sobre isto é esmagadora. O que pedem mesmo é mais recursos, nomeadamente equipamentos e recursos humanos”, afirma.

A solução, na opinião do investigador, deve passar também pela “introdução de políticas de gestão do trabalho que privilegiem a rotatividade, a autonomia e a própria capacidade de decisão dos profissionais”.

“E depois, claro, procurar criar um equilíbrio saudável entre as exigências profissionais e a vida pessoal e familiar”, acrescenta.

A resiliência é algo que se vai desgastando, como qualquer outra competência

O estudo da Universidade Portucalense inquiriu 196 profissionais de saúde, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, pico da pandemia do novo coronavírus em Portugal. Neste grupo, 77% são mulheres, 73,3% tem menos de 40 anos, e 53,1% tem filhos.

Apesar de as mulheres serem mais propensas a entrarem em processo de “burnout”, Pedro Ferreira afirma que quando se recorre a métodos estatísticos mais complexos a realidade pode ser diferente.

“Analisando as percentagens de indivíduos com a síndrome, percebemos que os níveis nas mulheres tendem a ser maiores, no entanto, depois, quando fazemos uma análise estatística mais rigorosa, e sem entrar em grandes detalhes técnicos, essa relação entre o género e os níveis não são assim tão elevados”, observa o investigador, realçando que o estudo foi desenvolvido em contexto pandémico.

De acordo com os investigadores, um dos fatores que mais influi é a idade. Ou seja, o estudo mostra que os profissionais mais velhos apresentam menores níveis de resiliência, logo estão mais expostos a níveis mais elevados da doença ocupacional.

“Com o avançar da idade, o cansaço resultante de vários anos da profissão vão minando um pouco a capacidade de resiliência dos indivíduos”, explica Pedro Ferreira, destacando que “a resiliência é algo que pode ser trabalhado, mas, se não for trabalhado, é algo que se vai desgastando, como qualquer outra competência”.

Em termos de profissão, 73% são enfermeiros, 24,5% são médicos, sendo que 55,6% exercem a sua profissão há mais de 11 anos e nos últimos seis meses trabalharam em média 47,6 horas, em que o número máximo registado foi de 140 horas semanais.

“Os médicos tendem a apresentar maiores níveis de resiliência e, portanto, também menos propensão para o 'burnout' do que os enfermeiros”, começa por dizer Pedro Ferreira.

Mas, há outras razões. Desde logo porque “os enfermeiros são habitualmente os profissionais de saúde que estão mais próximos dos pacientes, que vivem de forma mais próxima e mais intensa os problemas e os dramas dos pacientes”, afirma.

“A exposição aos dramas, às dificuldades e aos problemas das pessoas que estamos a servir naturalmente causam bastante desgaste emocional e influenciam sobretudo a exaustão emocional dos profissionais. Isso poderá depois fazer diminuir os níveis de resiliência e, consequentemente, também a exposição a maiores níveis de burnout”, conclui o investigador.

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