23 fev, 2021 - 06:35 • José Pedro Frazão
Nos últimos cinco anos, Portugal foi o 6.º país da União Europeia com maior evolução positiva em termos de “População em risco de pobreza e exclusão social” – um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas que devem ser avaliados até 2030.
Os números compilados pela PORDATA numa nova base de dados agora lançada em torno da chamada Agenda 2030 confirmam que mais de dois milhões de pessoas em Portugal estão em situação de pobreza e exclusão social.
O plano para Portugal era retirar 200 mil pessoas da pobreza em 12 anos, de 2008 a 2020. O país superou expectativas ao conseguir fazer sair mais de 540 mil portugueses dessa situação.
"Apesar de estarmos a fazer um bom caminho, não nos podemos conformar nem podemos cair nesta tentação de ter um otimismo inoperante, porque ainda há muito que fazer", avisa Ana Patrícia Fonseca, da Plataforma das Organizações Não-Governamentais Portuguesas de Desenvolvimento, convidada do programa Da Capa à Contracapa, da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que detém a PORDATA.
A também coordenadora de Departamento de Educação para o Desenvolvimento, Advocacia Social e Comunicação da FEC (Fundação Fé e Cooperação), da Igreja Católica, nota que Portugal não está bem em diversos indicadores relacionados com o combate à pobreza, apesar da melhoria relativa das estatísticas neste particular.
"A percentagem de pessoas em risco de pobreza é de mais de 20% em Portugal. É um número alarmante para todos, apesar de ser muito próximo da média europeia. A taxa de trabalhadores em risco de pobreza ou em situação de pobreza está acima da média europeia. As más condições de habitabilidade estão muito acima da média europeia", exemplifica esta ativista que agora lidera a Plataforma das ONG da área do Desenvolvimento.
A PORDATA lançou uma base de dados em que avalia o comportamento de Portugal no cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os dados revelam, por exemplo, que 1 em cada 4 pessoas (24%) em Portugal vive com más condições de habitação. Na União Europeia a 27, a situação só é pior no Chipre (31%).
Outro exemplo, no quadro do Objetivo 7, que apela à garantia do acesso universal a serviços de energia modernos, à melhoria da eficiência energética e ao aumento da quota das energias renováveis, Portugal é o 4.º país da UE-27 com maior proporção de população (19%) que não consegue aquecer adequadamente a casa.
Apesar de ser um continente rico comparado com outros, a Europa a 27 tem ainda mais de 91 milhões de pessoas em situação de pobreza e exclusão social. Jorge Moreira da Silva, antigo ministro do Ambiente e atual diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), lança um olhar global e insiste que travar a pobreza no mundo passa pelo combate às alterações climáticas, que passa pelo objetivo definido no Acordo de Paris em 2015 de limitar o aumento da temperatura média global em 1,5 graus centígrados.
"85% dos pobres no mundo vivem nos 21 países mais afetados pela mudança climática. Dois terços do investimento necessário para cumprirmos 1,5ºC tem de ser feito em países em vias de desenvolvimento. Isto quer dizer: se Portugal, a União Europeia e os países ricos da OCDE não ajudarem os países mais pobres no seu processo de descarbonização, podemos dizer adeus ao objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1 grau e meio", alerta Moreira da Silva, lembrando que o mundo não está a conseguir sequer cumprir o Acordo de Paris.
Ligar o combate à pobreza à luta pela limitação dos impactos das alterações climáticas é o argumento sublinhado por este antigo governante do PSD que vê, ainda assim, sinais de esperança nos anúncios de diversos agentes do sistema financeiro no sentido da eliminação de apoios aos combustíveis fósseis.
"Hoje já temos cerca de 30 biliões de dólares de ativos financeiros associados à sustentabilidade. Ainda há 90% que não têm esse tipo de 'coloração verde' e no momento em que o setor financeiro também entra no jogo com uma nova abordagem de finanças sustentáveis, além da perspetiva notável e fundamental das ONG, da perspetiva dos empresários e dos cientistas, temos um ecossistema em que julgo que podemos vir a atingir os objetivos de Paris de uma forma que também gera emprego e rendimento", sustenta Moreira da Silva numa nota mais positiva.
A tudo isto juntou-se uma pandemia com largo impacto sanitário, social e económico. Na atual corrida para a vacinação, os países mais pobres vão chegar mais tarde. Jorge Moreira da Silva argumenta que isso não só é imoral como prejudica seriamente os próprios países ricos.
"Em termos práticos, vai significar que a pandemia vai continuar. O vírus continuará a circular e a possibilidade de mutações e de variantes vai colocar um risco adicional sobre todos e não só sobre aqueles que não estão vacinados”, aponta.
“Em segundo lugar, do ponto de vista económico, isto é absolutamente irracional, pois está estudado que o atraso na vacinação dos países mais pobres vai criar um prejuízo de 9 biliões de dólares na economia mundial, metade disso nos países ricos", assinala o diretor-geral de Cooperação da OCDE, na Renascença.
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Moreira da Silva diz que o verdadeiro "Plano Marshall" já existe e passa pelo cumprimento da chamada Agenda 2030 e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas para os próximos oito anos, em que se pretende, entre outras metas, acabar com a fome e com a pobreza, garantir água limpa e saneamento, promover o crescimento económico ou reduzir as desigualdades.
O alto quadro da OCDE acredita que esta é a chave para combater aquilo que classifica como as crises pandémica, climática e das desigualdades. Mas, para isso, diz o convidado do Da Capa à Contracapa desta terça-feira, é preciso que o que se passa no mundo seja debatido em cada país.
"Nós, como cidadãos, eleitores e contribuintes é que fazemos a diferença. Pergunto de uma forma muito cândida: haverá muita gente preocupada com o facto de a Ajuda Pública ao Desenvolvimento nos países da OCDE não descolar dos 0,33% do rendimento nacional bruto e em Portugal não descolar 0,16 ou 0,17%? Isto não tem sido tema! Alguém na rua, no espaço mediático, nas eleições discute a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e a Cooperação para o Desenvolvimento? O que é internacional é nacional", remata Jorge Moreira da Silva na Renascença.
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