26 fev, 2021 - 19:26 • Liliana Monteiro
Uma terceira testemunha relatou esta sexta-feira, em tribunal, ter visto um inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a pisar o peito de Ihor Homeniuk, o cidadão ucraniano que morreu em março do ano passado no aeroporto de Lisboa.
Rui Rebelo é o terceiro segurança a garantir em julgamento ter visto um dos arguidos com a bota em cima de Ihor Homeniuk.
“Estava a pegar nos tabuleiros para dar os pequenos almoços quando vi o inspetor Laja com o pé à frente do peito de Ihor a dizer: ‘está quieto, está calado!’ Eles perceberam que eu tinha visto e encostaram a porta”, relatou a testemunha.
Um episódio que terá acontecido quando os três inspetores do SEF, arguidos neste caso e acusados de homicídio qualificado, estavam na mesma sala.
Foi Rui Rebelo que, quando os inspetores chegaram ao Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto, informou que tinha um cidadão ucraniano com problemas de epilepsia e que tinha estado a noite toda agitado.
Quando entrou ao serviço diz ter ido ver o passageiro à sala. “Estava calmo e tinha a cara inchada”, conta. Rui Rebelo disse ainda que encontrou também o colega Paulo a fazer gelo no pé que estava inchado.
Descreveu os colegas seguranças que tinham feito a noite como estando “muito cansados porque a noite tinha sido agitada” e que a colega estava indignada porque há três horas ligava para SEF e ninguém atendia telefone.
Antes, a testemunha Sónia Antunes, que fez parte da equipa de segurança que rendeu os colegas da noite, afirmou que lhe disseram que Ihor “esteve toda a noite exaltado”.
Mas garante ter visto o cidadão ucraniano, por volta das 20h00 de dia 12 março 2020, e que este estava calmo.
Quando os inspetores arguidos chegaram, Sónia Antunes afirmou que “deixaram armas e luvas na receção” e acrescentou: “perguntei os nomes dos inspetores para colocar no habitual relatório, quando saíram Luis Silva [arguido] disse que não era preciso dar nomes”.
Perante a descrição de que tinha visto a vítima apenas com fita adesiva nos pés, o juiz Rui Coelho recorreu às declarações prestada pela testemunha em março do ano passado à Judiciária.
“Quando falou à Polícia tinha dito que sabia que lhe tinham amarrado as mãos durante a noite com fita cola”, lembrou o juiz, ao que Sónia Antunes respondeu: “não me lembro”.
A segurança admitiu que nunca tinha visto ninguém atado com fita adesiva antes desta situação.
Julgamento da morte de Ihor
Segurança diz não se lembrar do que viu na sala on(...)
Também Jorge Pimenta, segurança do CIT, foi ouvido como testemunha e descreveu como encontrou Ihor Homeniuk após a intervenção dos três inspetores arguidos no processo.
“O Ihor estava algemado com mãos atrás das costas e os pés com fita adesiva, deitado de lado. Tinha uma marca na cara que estava avermelhada e inchada. Nos braços tinha uns vergões, uns riscos” relata a testemunha, que também viu sangue seco no nariz da vítima.
Foi ele que, com a colega Roxana, deu o pequeno almoço e a medicação a Ihor e garantiu que a o cidadão ucraniano “não gritou, não mostrou dor”.
Mas mais tarde, confrontando pelo juiz com declarações prestadas à Polícia Judiciária, admitiu que Ihor nessa altura gemia.
Pouco depois do meio dia disse ter perguntado ao passageiro se queria almoçar, fazendo a pergunta por gestos, ao que lhe terá respondido com a cabeça que “não”.
Durante mais de três horas a vítima ficou sozinha, algemada com as mãos atrás das costas e deitada num colchão no chão de uma sala isolada. “Estava calmo e a dormir”, refere Jorge Pimenta.
Às 16h00 do dia 12 de março de 2020, percebeu que Ihor tinha as mãos “esbranquiçadas”, pediu aos inspetores que iam levá-lo para embarque para aliviarem as algemas.
Mais tarde diz ter assistido à aflição de dois inspetores do SEF (que não os arguidos do processo): “O inspetor Gabriel chegou à receção aflito a dizer que o senhor estava morto”.
Também esta testemunha teve de ser confrontada com depoimento distinto prestado em março à Polícia Judiciária, altura em que referiu uma revista usada pelo colega Manuel junto da vítima. No depoimento de hoje diz de nada se recordar.
O advogado Ricardo Sá Fernandes também pediu extração de certidão para procedimento criminal devido a contradição nas declarações entre o testemunho de Rui Rebelo no tribunal e na Polícia Judiciária (PJ), em março do ano passado.
Em causa está, nomeadamente, a referência ao facto de o segurança ter visto o inspetor Duarte Laja com o pé em cima de Ihor Homeniuk, facto que omitiu durante o depoimento na PJ.
É o segundo caso de pedido de certidão para procedimento criminal desde o início do julgamento. O primeiro aconteceu na sessão anterior, quando a defesa do arguido Duarte Laja pediu ao tribunal extração de certidão depois do depoimento contraditório da testemunha Paulo Macedo que era segurança no CIT do aeroporto de Lisboa.