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Precários

Mau ambiente, represálias e omissões. Trabalhar em Serralves é "tortura psicológica"

08 mar, 2021 - 09:00 • André Rodrigues

Trabalhadores precários da Fundação de Serralves contestam os argumentos da administração para não proceder à integração dos colaboradores a recibos verdes. Ações inspetivas da Autoridade para as Condições de Trabalho detetaram indícios de 21 falsos recibos verdes no Serviço Educativo Artes e seis casos entre os técnicos de museografia.

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Trabalhar em Serralves é "tortura psicológica" - reportagem de André Rodrigues
Ouça aqui a reportagem do jornalista André Rodrigues

Os trabalhadores precários da Fundação de Serralves, no Porto, dizem-se "indignados" com a situação que se vive, sobretudo no Serviço Educativo de Artes.

Em causa está a situação de 21 prestadores de serviço que foram considerados como falsos recibos verdes pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), que detetou a situação depois de, em julho do ano passado, os educadores se terem manifestado à porta da Fundação de Serralves em protesto contra o que dizem ser a ausência de diálogo por parte da administração de Ana Pinho para solucionar o problema.

Raquel Sambade iniciou funções no Serviço Educativo de Artes de Serralves em 2010. Até outubro de 2019 dependeu quase exclusivamente do rendimento que auferia na fundação.

Em declarações à Renascença, esta arte-educadora revela que começou a dar aulas “em outubro de 2019, numa atividade profissional que nada tem a ver com aquilo que eu fazia no Serviço Educativo de Serralves”.

Até essa altura, conta Raquel, “97% dos meus rendimentos foram auferidos na Fundação de Serralves enquanto educadora do Serviço Educativo Artes e a disponibilidade que eu dava à Fundação de Serralves para desenvolver o meu trabalho como educadora era de sete dias por semana”.

O trabalho no Serviço Educativo de Artes funciona por marcação, mas o acordo entre os educadores e a Fundação de Serralves pressupõe uma disponibilidade mínima de três dias úteis por semana, uma espécie de tempo reservado em exclusividade para trabalhar na Fundação de Serralves.

“Ou seja, eu posso bloquear três dias da minha semana para ser educadora na Fundação de Serralves, mas se a Fundação não me atribuir trabalho durante uma semana, duas semanas, um mês ou dois, eu estou bloqueada nesses três dias”, reconhece a educadora.

Tratando-se de trabalho independente, Raquel Sambade constata que “nenhum trabalhador independente arranja trabalho de um dia para o outro noutra instituição e a Fundação de Serralves não me dá nenhuma contrapartida por eu estar reservada nesses três dias”.

No entanto, a educadora lembra que, quem não aceite estas condições de trabalho, ainda que temporariamente, acaba por sofrer represálias, "no sentido em que vemos as nossas marcações serem drasticamente reduzidas".

O exemplo "mais flagrante" que Raquel Sambade identifica é o de "uma colega que tinha sido mãe há muito pouco tempo e não conseguiu chegar a acordo com a coordenação do serviço educativo para dar três dias úteis de disponibilidade naquele momento da sua vida pessoal... acabou por ser dispensada".

Perante este quadro, Raquel alega que, desde o início do Serviço Educativo, foram várias as tentativas para negociar com os diferentes Conselhos de Administração da Fundação de Serralves uma solução que permitisse a integração destes trabalhadores a recibos verdes.

Mas, segundo diz, não só “nunca houve abertura para dar seguimento a esse pedido”, como nos últimos anos, sob a presidência de Ana Pinho, “a situação tem piorado”.

Pandemia agravou a precariedade

Face à ausência de uma resposta satisfatória por parte de Serralves, foi endereçada uma carta aberta a Isabel Pires de Lima, antiga ministra da Cultura e atual representante do Estado português no Conselho de Administração da Fundação de Serralves, procurando sensibilizar esta responsável para a situação dos precários do Serviço Educativo.

“Não obtivemos qualquer resposta”, lamenta Raquel Sambade, pelo que o passo seguinte foi dar expressão pública ao descontentamento.

Em julho de 2020, os educadores de Artes manifestaram-se à porta da Fundação de Serralves, denunciando, por um lado, a indisponibilidade da Administração para resolver o problema e, por outro lado, lembrar que a pandemia acabou por trazer um agravamento sério à situação daqueles trabalhadores.

Quando o museu foi obrigado a encerrar no primeiro confinamento, Raquel Sambade defende que, “por lei, nós teríamos o direito de continuar a exercer a nossa atividade, porque, de facto, era possível adaptar-se ao teletrabalho… aquilo que nos foi respondido é que não havia orçamento para pôr em prática”.

Resposta idêntica foi obtida em relação ao cancelamento de atividades do Serviço Educativo de Artes.

“Havia muitas atividades que já estavam agendadas e que estavam afetas a educadores específicos e tudo foi cancelado sem haver lugar a qualquer tipo de pagamento ou compensação”, acrescenta a educadora.

A visibilidade dos protestos dos educadores na comunicação social chamou a atenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), cuja ação inspetiva em Serralves concluiu que havia 21 situações de falsos recibos verdes, só no Serviço Educativo.

A primeira sessão do julgamento relativo à situação destes trabalhadores está marcada para esta segunda-feira no Palácio da Justiça do Porto.

Contudo, a Renascença apurou que a ACT também investigou a situação dos trabalhadores do serviço de exposições da Fundação de Serralves.

Foram detetados seis casos de falsos recibos verdes que, à semelhança do que aconteceu com os 21 educadores de artes, não foram corrigidos pela Fundação de Serralves dentro do prazo legal.

Através de uma pesquisa na secção de distribuição de processos da plataforma Citius, do Ministério da Justiça, foi possível confirmar que os seis casos em questão foram remetidos pela ACT ao Ministério Público e deram origem a seis ações judiciais de reconhecimento de existência de contrato de trabalho que também seguem para julgamento.

Contactada pela Renascença, a Fundação de Serralves não comenta estas situações, alegando que "estes assuntos estão a ser dirimidos em tribunal" e que, "por esse motivo, não nos parece correto estar, neste momento, a prestar declarações ou a comentar o tema".

Casos de Covid-19 alegadamente ocultados

Mas a situação dos trabalhadores com vínculo precário é uma entre outras denunciadas à Renascença por atuais e antigos colaboradores da Fundação de Serralves.

No contexto da pandemia de Covid-19, há alegações que sugerem que a administração liderada por Ana Pinho estará a tentar ocultar casos de infeção ou suspeitos de infeção pelo novo coronavírus.

A Renascença falou com Filipe Brandão, que até meados de janeiro, trabalhou como assistente de sala, contratado através de uma empresa de trabalho temporário.

Filipe conta que os casos de alegado encobrimento de doença lhe foram transmitidos sempre por via não oficial.

“A mim, nunca disseram para guardar segredo, mas havia uma empregada da limpeza que sabia de tudo, porque se dava bem com toda a gente e, como eu também me dava bem com ela, acabei por saber que houve várias pessoas dos serviços administrativos de Serralves que estiveram em contacto com pessoas que acusaram positivo e que, por isso, ficaram em casa”, diz à Renascença.

E acrescenta: “essa informação não foi passada a ninguém”.

Terá, também, sido essa a situação no caso ocorrido com um assistente de sala que necessitou de receber assistência médica, depois de se ter sentido mal.

O trabalhador em questão foi testado à Covid-19 e o resultado foi positivo.

Assim que foi informado da situação, através da empresa de trabalho temporário que assegura os trabalhadores de assistência de sala em Serralves, Filipe Brandão conta que procurou informar o coordenador de manutenção e logística de Serralves, “até para ele poder informar as outras pessoas que possam ter estado em contacto com ele. Enquanto estava a dizer-lhe isto, respondeu-me 'não quero saber, fala com a tua chefe que eu não tenho nada a ver com isso'".

A Fundação de Serralves contrapõe, garantindo, através de uma nota enviada à Renascença, que "está a cumprir escrupulosamente desde o início da crise pandémica todas as indicações e regras emanadas pelas autoridades de saúde".

"A defesa e proteção da saúde dos nossos colaboradores e de todas as pessoas que frequentam ou se deslocam às nossas instalações estará sempre em primeiro lugar", acrescenta a nota.

Serralves é uma “tortura psicológica diária”

António (nome fictício) aceitou falar à Renascença sob anonimato, por temer eventuais represálias por falar sobre a situação que diz ser vivida na Fundação de Serralves.

Sem pandemia, este rececionista estaria no ativo, mas o confinamento atirou-o para casa. Vai sobrevivendo à custa de atividades em regime de freelancer, uma vez que “a maior parte dos meus rendimentos vem de Serralves”.

“Ainda espero voltar”, diz, embora reconheça que o seu posto de trabalho pode estar em perigo por denunciar aquilo que, no seu entendimento, é “uma tortura psicológica diária”.

“Muitos de nós gostaríamos de estar aqui a falar consigo, mas tenho colegas meus que nunca quererão falar consigo. Neste momento, falar consigo é um risco, porque se eles sonham eu sou despedido na hora”, receia.

António conta que a função do rececionista é “vender bilhetes e dar informações aos visitantes de Serralves, sobretudo turistas”.

Mas isso é, segundo afirma, “a ponta do icebergue de tudo aquilo que fazemos”. António conta que, apesar de receber o salário mínimo, “é normal dar apoio a eventos, realizar trabalho administrativo – como emissão de faturas para escolas, quando nós temos um serviço financeiro para tratar dessas coisas”.

Tal como António, todo o pessoal que presta serviço como assistente de sala ou rececionista é contratado pela Fundação de Serralves a uma empresa de trabalho temporário que disponibiliza pessoal em função das necessidades elencadas.

No entanto, este trabalhador alega que seria impossível manter o funcionamento da instituição nos moldes atuais sem a contratação de elementos externos à Fundação: "assistentes de sala e rececionistas são externos, segurança são externos, pessoal de limpeza é externo", diz.

No entanto, “se fazemos alguma coisa errada enquanto executamos o trabalho que devia ser feito por outras pessoas, recebemos ameaças e berros", descreve.

Confrontada pela Renascença com estas afirmações, a Fundação de Serralves alega que o trabalho dos assistentes de sala e dos rececionistas é contratado a uma empresa, "tal como são contratados outros serviços pela Fundação".

Nesse sentido, conclui que "não compete a Serralves estar a pronunciar-se sobre relações laborais, ou outras, entre estes e a sua entidade patronal ou contratante".

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  • António dos Santos
    08 mar, 2021 Coimbra 20:30
    Se o governo tiver vergonha e seja honesto, termina imediatamente com as regalias e subsídios a esta fundação. Pelo menos, se continuarem estes escroques da sociedade na administração.

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