11 mar, 2021 - 07:59 • Liliana Carona
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O "tlim tlim" do telemóvel alerta a chegada de mensagens, com termos que fazem Natércia Fernandes, 50 anos, soltar uma gargalhada. “Estou com as minhas pernas que pareço uma ursa”, partilha a cabeleireira, proprietária do salão de beleza "Nova Era", em Gouveia.
Não há dia em que não receba mensagens no telemóvel, ou até chamadas para casa, e também lhe batem à porta. Mas Natércia insiste que não pode fazer nada. “Já tenho uma lista de clientes a dizer: eu quero ser a primeira. Quando reabrirmos vai ser trabalhar a partir das 8h da manhã”, advinha.
Enquanto não sabe os pormenores do desconfinamento, Natércia, vai retocando as pinturas da loja e varrendo o pó, mas não consegue afastar o desalento. “Ainda ninguém me perguntou: como é que vocês estão a passar? As clientes estão preocupadas com a aparência delas, mas a nível da saúde mental, nós estamos muito afetados. Só temos certo as nossas contas, renda, água, luz, filhos na Universidade. O Estado está a apoiar, mas não chega a 300 €, o que fazemos com 300€? Quem não tiver pé de meia, é muito complicado”, observa a profissional em lay-off.
A cabeleireira garante que mesmo antes da pandemia, tinha todos os cuidados com a higienização, desinfeção e esterilização do material e faz uma comparação. “Nós estamos sempre na parte de trás do cliente, com a máscara, ou seja, é diferente de irmos a um dentista, tirar a máscara para fazer um branqueamento, algo permitido ao momento”, argumenta.
A agitação provocada pela proximidade de um plano de desconfinamento é notória na cidade de Gouveia e a cabeleireira Natércia notou o rebuliço.
“Estamos todos na expectativa, já vi pessoas a lavarem as montras, a arrumar cadeiras, estamos todos saturados, precisamos mesmo de trabalhar. Acho que só sabe o que é estar no confinamento este ramo do comércio”, considera a proprietária do salão, referindo que “muitos dos funcionários públicos vão para casa, estão privados de ir ao café, ao restaurante, mas recebem na mesma. Agora eu e o meu marido, do ramo automóvel, os dois em casa...”, lamenta-se.
A cabeleireira de Gouveia observa ainda que há profissionais do setor que têm fugido às regras. “Sabemos que há colegas que estão a trabalhar a partir de casa e, por isso, não me parece ter sido a melhor opção fechar estes espaços. Os trabalhos de um salão de beleza continuam a ser efetuados em casa e não sei se isso será melhor”, denota a cabeleireira que garante ter recorrido “às economias de uma vida” para fazer face à crise provocada pela pandemia.
É a partir das economias de uma vida que Hermínia Cardona, 67 anos, proprietária da loja de roupa "Adrymar", tenta manter a tranquilidade, mas sem grandes esperanças de reabrir, pelo menos para já. “Eu fico de pé atrás, a duvidar, como não há assim nada tão claro", diz.
"Acho que eles vão abrir primeiro as escolas. A minha é uma loja pequena, não tem os mesmos riscos, mas se abrem umas, abrem as outras, as grandes também. Eu não sei se realmente vão abrir já, mas eu peço é que os governantes façam as coisas com cuidado e que nós cumpramos. Eu já tenho a minha reforma, mas é muito pequena, e como tenho responsabilidades, tenho de trabalhar”, assume a lojista com mais de 40 anos de experiência.
Também com vontade de voltar a trabalhar está a Irmã Daniela Amaral, 73 anos, presidente da Fundação "A Nossa Casa", com 100 crianças nas valências de creche, jardim-de-infância e ATL. Ultimam-se os preparativos para a reabertura, não esquecendo as lições de um primeiro confinamento. “Já tínhamos todos os cuidados, os sapatos ficavam sempre à porta”, exemplifica, sublinhando que as funcionárias estão a regressar para limpar as salas.
“Estamos a contar reabrir na segunda. Já fizemos as pinturas das salas, as educadoras andam a enfeitar, e agora a colocarmos cera, para ficar tudo limpinho, e sexta faremos a desinfeção das salas”, antevê a Irmã da instituição solidária, sem deixar de assumir que “só na quinta-feira se saberá”.
Dúvidas que poderão ser desfeitas esta quinta-feira, pelo primeiro-ministro António Costa, a quem a cabeleireira Natércia dirige um elogio. “Realmente o nosso primeiro ministro sabe fazer um bom corte de cabelo em casa”, sorri.