16 mar, 2021 - 00:38 • Pedro Filipe Silva , Filipe d'Avillez
Não será obra fácil para os deputados “salvar” a lei da eutanásia, que esta segunda-feira foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
O diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Jorge Pereira da Silva diz que os juízes acabaram por dar razão a Marcelo Rebelo de Sousa, que considerou que o legislador não deixou claro vários termos.
O especialista sublinha ainda que não é fácil corrigir a lei e que há outros aspetos que podem fazer com que a lei volte ao Tribunal Constitucional.
“Antes de mais, o que é importante sublinhar é que os juízes deram razão, no essencial, ao Presidente da República e, portanto, disseram que os conceitos que são usados pela lei são conceitos que não estão bem determinados. E, portanto, o legislador terá, a partir de agora, quando receber novamente a lei, que fazer um esforço para precisar esses mesmos conceitos.”
“Basta dizer que o legislador não deixou claro se a lesão irreversível tem de ser uma lesão fatal ou não. Ora, se não for uma lesão fatal, isto em bom rigor pode ser muito mais que uma simples antecipação de uma morte iminente. Pode ser a antecipação de uma morte que só ocorreria muito lá para a frente. E no fundo o que o tribunal vem dizer é que o legislador tem de fazer um esforço superior para que se saiba exatamente em que circunstâncias é possível antecipar a morte”, explica.
Os vários partidos e deputados que votaram a favor da lei já vieram dizer que trabalharão para afinar os conceitos e, assim, suprimir a inconstitucionalidade. Mas para Jorge Pereira da Silva isso é mais fácil de dizer do que de fazer.
“Não é fácil corrigir. Se fosse fácil corrigir também teria sido fácil fazer. E de facto a lei teve várias versões, procurou-se melhorar a lei referente à versão original, aquilo que o tribunal pede não é fácil.”
Mais, diz o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica, há outros aspetos na lei que a podem ferir de inconstitucionalidade.
“Creio que há ainda outras razões que não foram invocadas pelo Presidente da República e que podem ser invocadas numa segunda fase. Isto é, tenho quase a certeza que a Assembleia vai tentar, numa nova versão da lei, precisar os conceitos que o tribunal agora diz que não estão suficientemente concretizados. Se o Presidente depois vai enviar outra vez para o Constitucional, provavelmente não, dependerá do que a assembleia fizer entretanto, mas mesmo que o Presidente não envie, é sempre possível um décimo dos deputados da Assembleia da República mandarem para fiscalização sucessiva.”
Jorge Pereira da Silva dá o exemplo do acesso aos cuidados paliativos, contido na lei, que diz não passar de uma ficção. “Por exemplo, a questão dos cuidados paliativos. A lei diz que será disponibilizado o acesso a cuidados paliativos a todos aqueles que requererem a eutanásia. Sabemos que isto não é possível, isto não existe. Não existem camas para cuidados paliativos suficientes no nosso país, faltam centenas delas. Portanto essa afirmação do legislador, dizendo simplesmente que quem quiser tem acesso a cuidados paliativos, no fundo é uma afirmação que não tem correspondência com a realidade.”
“Acho que essa questão deve ser colocada ao Constitucional também, pela simples razão de que se aquilo que fundamenta a eutanásia é a liberdade de escolha, esta para ser genuína tem de ser entre os cuidados paliativos ou a eutanásia”, conclui o académico.
O Tribunal Constitucional decidiu por maioria de sete contra cinco pela inconstitucionalidade da lei da eutanásia, na forma como foi proposta pela Assembleia da República. Contudo, o acórdão diz que a eutanásia em si, enquanto conceito, não viola necessariamente a constituição, uma vez que o direito à vida não pode ser entendido como um dever de viver em qualquer circunstância. Quatro dos sete juízes que assinam o acórdão escreveram, porém, uma declaração de voto em que contestam este entendimento, afirmando que a eutanásia viola, de facto o direito constitucional à vida.