08 abr, 2021 - 08:15 • Liliana Monteiro
Quatro anos após a acusação do Ministério Público a 28 arguidos, entre eles o ex-primeiro-ministro José Sócrates, fica esta sexta-feira à tarde a saber-se quem vai, ou não, sentar-se no banco da sala de julgamento e por que crimes.
Ao longo de mais de quatro mil páginas, os seis procuradores liderados por Rosário Teixeira montaram várias peças de um puzzle complexo que reconstitui 189 crimes, 31 deles imputados a José Sócrates, numa acusação assinada a 9 de outubro de 2017, quatro anos depois do início da investigação, e que será levada esta sexta-feira à “prova dos nove”.
O juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), dirá se os indícios são suficientemente fortes e sustentados para que o caso siga para julgamento.
São 28 os arguidos:19 pessoas singulares, entre elas estão José Sócrates, Carlos Santos Silva, Sofia Fava (ex-mulher de Sócrates), Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, entre outros, e mais nove pessoas coletivas, entre elas o grupo Lena e Construções, Vale do Lobo Resorte Turístico de Luxo e algumas consultoras.
De acordo com a acusação, “os factos imputados ao arguido José Sócrates foram praticados enquanto este exercia o cargo de primeiro-ministro de Portugal, e contra os deveres impostos pelo mesmo”, “o arguido José Sócrates, a troco do recebimento de quantias pecuniárias, favoreceu os interesses de Ricardo Salgado e do GES, de Joaquim Barroca e do Grupo Lena, bem como de negócios relacionados com o empreendimento Vale do Lobo, com grave prejuízo para os interesses do Estado e da livre concorrência”, pode ler-se.
No centro de todo o processo, que teve origem numa comunicação bancária ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) estão 34 milhões de euros que terão chegado a José Sócrates num período de nove anos (2006-2015).
Dinheiro que, segundo a investigação, não foi entregue na sua maioria em mãos, através de envelopes, mas sim através de compras, pagamentos e contas com outros titulares.
O dinheiro terá chegado a Sócrates e à família a troco de subornos, esquemas e favores. O Ministério Público escreve que foram “utilizadas contas bancárias no estrangeiro, de terceiros e ainda tituladas por sociedades em off-shore, por forma a ocultar a proveniência dos fundos e o seu destinatário e permitir a sua entrega, com aparente justificação legítima a José Sócrates”.
Antigo primeiro-ministro, acusado de 31 crimes, fi(...)
Ricardo Salgado, outro dos arguidos da Operação Marquês, é acusado de ter prometido cerca de 30 milhões de euros e de os ter pago em troca da intervenção de Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em alguns negócios como a venda das ações da Vivo ao Brasil.
“Para garantir que a concretização desses interesses não era obstaculizada pelo uso da Golden-Share pelo acionista Estado, e de forma a obter o comprometimento do Governo de Portugal e a sua intervenção a favor de uma estratégia de investimento no Brasil por parte da Portugal Telecom, o arguido Ricardo Salgado efetuou, igualmente, pagamentos ao arguido José Sócrates, de forma a que o mesmo, na condução do Governo de Portugal, decidisse e tivesse intervenções de acordo com as estratégias definidas pelo mesmo Ricardo Salgado para o Grupo Portugal Telecom, ainda que viesse a implicar uma atuação do acionista Estado e do Governo de Portugal contrária aos interesses da Portugal Telecom e ao interesse nacional, que lhe competia defender enquanto primeiro-ministro”, refere a acusação.
Por seu lado o grupo Lena é acusado de ter entregado seis milhões de euros ao ex-primeiro ministro, por este lhe ter aberto portas a negócios no TGV, Parque Escolar e construções de casas na Venezuela.
Por fim, o grupo Vale do Lobo terá dado, como contrapartida, um milhão de euros mediante a viabilização de um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) de 200 milhões de euros.
Decisão sobre quem vai a julgamento, e por que cri(...)
Os procuradores escrevem, ainda, que “a atuação do arguido José Sócrates traduziu-se na violação grave e reiterada dos deveres inerentes ao cargo para o qual foi nomeado e que sobre si impendiam, revelando ainda indignidade no exercício de cargos públicos”.
Acrescentam que “o arguido José Sócrates não cumpriu a obrigação que sobre si impendia de declarar rendimentos que haviam sido por si recebidos”.
O processo chega também ao banco público Caixa Geral de Depósitos (CGD), através do antigo administrador Armando Vara.
A pedido de José Sócrates, “Armando Vara, no exercício dessas funções na CGD, tomou todas as decisões necessárias a lograr satisfazer a vontade e os interesses daquele arguido (Sócrates) ou de terceiros com quem estava conluiado, nomeadamente, com os arguidos Ricardo Salgado, no âmbito da tomada de decisões pelo Grupo Portugal Telecom, Joaquim Barroca, em representação do Grupo Lena, e outros, designadamente, na aquisição direta e financiamento de terceiros pela CGD das participações nas sociedades que detinham o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve”, sublinha a acusação.
O grande intermediário, chamado de “testa de ferro”, é o arguido Carlos Santos Silva. É acusado de entregar dezenas de envelopes a Sócrates, pago viagens, casas, obras de arte e até uma casa alugada em Paris, fazendo assim chegar o dinheiro às mãos do antigo primeiro-ministro.
As verbas suspeitas de estarem envolvidas em crime eram transferidas também para contas na Suíça, nenhuma delas com o nome do antigo governante.
O Ministério Público pede ainda na acusação uma indemnização cível contra 15 dos arguidos, a favor do Estado português.
Ao todo, são 58 milhões, dezanove mil quinhentos e oitenta e um euros e trinta e cinco cêntimos de “lesão ao Estado através da frustração da arrecadação devida em sede de IRC e IRS”.