09 abr, 2021 - 21:31 • André Rodrigues
De semblante aliviado e dedo acusador apontado ao Ministério Público, aos jornalistas e aos responsáveis pelo que disse ser a “motivação política” do processo em que é o principal arguido, José Sócrates saiu do Campus da Justiça garantindo que “tudo isto acabou”.
Só que (ainda) não. Falta saber o que dirá o Tribunal da Relação sobre o recurso que o Ministério Público, pela voz do procurador Rosário Teixeira, já disse que irá apresentar recurso.
Era sobre o antigo primeiro-ministro que pairava a maior expectativa em relação ao desfecho da decisão instrutória da Operação Marquês. Um a um, o juiz Ivo Rosa rebateu e deixou cair os argumentos da acusação, desde logo os que suportavam a prática dos crimes de corrupção.
Não porque eles não tenham existido, mas porque prescreveram. A saber, três: favorecimento de Ricardo Salgado no GES, favorecimento do Grupo Lena e financiamento do empreendimento turístico Vale do Lobo, via Caixa Geral de Depósitos, através de Armando Vara.
Tal como Sócrates, nenhum dos restantes arguidos do processo terá de responder por corrupção.
O antigo primeiro-ministro irá responder pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
O juiz Ivo Rosa anunciou que extraiu uma certidão para a Procuradoria-Geral da República (PGR) averiguar a distribuição do processo da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre.
Em causa, segundo o juiz de instrução criminal, está a eventual violação do princípio do juiz natural ou juiz legal.
O Ministério Público tinha acusado Sócrates de favorecimento do Grupo Lena em obras na Venezuela no tempo de Hugo Chávez. Para o juiz Ivo Rosa, a acusação a esse respeito é "inócua, incongruente e incoerente", porque, segundo considerou Sócrates "não podia saber dos planos do governo da Venezuela".
Foi outra das decisões favoráveis a José Sócrates. O juiz de Instrução Criminal considera que não há provas da intervenção do antigo chefe do Governo no negócio ruinoso das operadoras brasileiras Oi e Vivo. A PT vendeu a Vivo e entrou no capital social da Oi. Em causa está um investimento que ronda os 900 milhões de euros.
O juiz Ivo Rosa decidiu arquivar as suspeitas sobre o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos que estava acusado por corrupção passiva de titular de cargo político.
Antigo presidente do Grupo Espírito Santo, considerado pelo Ministério Público como o principal corruptor, foi ilibado dos crimes de corrupção ativa de titular de cargo político e de corrupção ativa. Caíram, também, as acusações por branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.
Os dois antigos quadros da PT estavam acusados de terem sido corrompidos por Ricardo Salgado. No caso de Granadeiro, ex-chairman da empresa, o juiz Ivo Rosa não encontrou factos que demonstrassem a existência de uma administração, de facto, da PT Comunicações pela PT SGPS. No caso de Zeinal Bava, o juiz desmontou a tese do Ministério Público, alegando que “as condutas descritas na acusação foram praticadas pelo arguido Zeinal Bava na qualidade de administrador da PT Comunicações”, não como funcionário da empresa.
A acusação dizia que o motorista de José Sócrates era quem transportava o dinheiro em numerário e entregava-o em mão ao antigo primeiro-ministro. Vai a julgamento por posse ilegal de arma.
Dos 189 crimes constantes na na acusação da Operação Marquês, apenas 17 vão a julgamento.
Depois de três horas e 20 minutos a assistir à desmontagem, peça por peça, das teses elaboradas pela equipa de procuradores que lidera, Rosário Teixeira contestou a decisão instrutória da Operação Marquês e anunciou recurso. Tem a palavra o Tribunal da Relação.