03 mai, 2021 - 19:29 • Henrique Cunha
As denúncias de exploração e tráfico de seres humanos em Odemira já têm mais de três anos, afirma à Renascença o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF), Acácio Pereira.
O sindicato garante ter denunciado, em abril de 2018, a existência em Portugal de alegados casos de tráfico de seres humanos associados a explorações agrícolas.
Em entrevista à Renascença, o presidente do SCIF-SEF, Acácio Pereira, diz que na altura a denúncia foi vista com alguma "estranheza".
“Nós denunciámos esta situação em 2018, num congresso que fizemos. E já reportávamos esta situação. Na altura, foi vista com alguma estranheza, mas o que é facto é que nós tínhamos conhecimento de situações destas. Denunciámo-lo publicamente por forma a que sociedade de alguma maneira encarasse este problema como um problema real”, afirma Acácio Pereira.
O representante dos funcionários do SEF lamenta que o alerta “não tenha sido levado a sério” e que que, três anos depois, muitos responsáveis tenham acordado para o problema.
“O problema é que os sindicatos, por norma, não são levados a sério: muitas das vezes pensam que nós somos lobistas ou estamos a defender corporativismos. Não foi o caso. Nós denunciamos a situação ao mais alto nível porque já nessa altura tínhamos conhecimento de situações anómalas. E só não vê esta situação quem não estiver minimamente atento.”
Na altura, o SCIF-SEF fez a denúncia publicamente e junto dos diversos órgãos de soberania para a exploração e tráfico de trabalhadores migrantes na zona de Odemira.
“Nós demos pública nota através dos diversos órgãos de comunicação social e dos diversos órgãos de soberania desta situação. E denunciamos uma situação que na altura nos pareceu que do ponto de vista social ainda não era vista, ainda não havia a perceção deste fenómeno como um crime.”
Nestas declarações à Renascença, Acácio Pereira assegura que os casos denunciados em 2018 são em tudo idênticos aos que agora estão a ser alvo de investigação.
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Também a Obra Católica Portuguesa das Migrações não está surpreendida com as notícias sobre o elevado fluxo migratório e os alegados casos de exploração e tráfico humano, em Odemira.
A diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações, Eugénia Quaresma, recorda que a Igreja de Beja vem alertando para o fenómeno há já alguns anos.
“A situação não surpreende. A situação de exploração não surpreende. A condição de sobrelotação do alojamento também não surpreende. Há alguns anos, o bispo de Beja era D. António Vitalino que já denunciava este tipo de situação. E nós conseguimos encontrar alguns noticias nesse sentido”, sublinha Eugénia Quaresma em declarações à Renascença.
Eugénia Quaresma entende que “a pandemia tirou o véu a algo que permanecia oculto” e defende que “agora é necessário atuar rapidamente e de forma transversal”.
A diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações adianta que “a principal dificuldade é a de conseguir desmantelar os casos que vão sendo identificados”.
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Por sua vez, o Serviço Jesuíta de apoio aos Refugiados diz que as denúncias sobre alegado tráfico de seres humanos devem ser investigadas.
André Costa Jorge adianta que a falta de condições de habitabilidade dos trabalhadores migrantes em Odemira não é uma situação nova.
À Renascença, o responsável diz que a atual situação "faz lembrar os emigrantes portugueses em França que viviam em condições sem dignidade nos chamados 'bidonville'”.
“A pandemia expôs mais uma vez situações de fragilidade e vulnerabilidade social em que estes migrantes se encontravam. Encontravam-se em habitações precárias, sem condições, muito a fazer lembrar – eu creio que é uma imagem que os portugueses têm historicamente – os emigrantes portugueses nos anos 60 em França, nos chamados «Bidonvilles» em que as pessoas viviam em condições sem qualquer tipo de dignidade, aceitando todo o tipo de trabalho. E essa foi a história também da emigração portuguesa que nós não queremos ver repetida passados estes anos todos em Portugal”, lamenta André Costa Jorge.
O presidente da Câmara Municipal de Odemira, José Alberto Guerreiro, estimou esta segunda-feira que "no mínimo seis mil" dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho, permanentes e temporários, "não têm condições de habitabilidade".
Foram detetados, até agora, 22 alojamentos sem condições para acolher trabalhadores sazonais no concelho, indicou o autarca do concelho com cercas sanitárias em duas freguesias por causa do número de casos de Covid-19.