06 mai, 2021 - 08:54 • Vítor Mesquita
É no jardim junto ao Campo 24 de Agosto, na freguesia do Bonfim que me encontro com Virgínia Ferreira. Está sozinha, ao sol, para uma conversa sobre as condições de vida que enfrenta todos os dias, há oito anos. Sem habitação certa, vive por agora num quarto ali perto. "Um quarto sem janela e sem poder cozinhar", começa por explicar.
A casa tem vários quartos arrendados. Virgínia partilha a casa de banho com três homens, mas garante que não tem receio da convivência. Diz que a proprietária da casa é atenta a maus comportamentos. É a mesma proprietária de uma outra habitação, para onde previa mudar-se. Com 77 anos, viúva há mais de trinta, não encontra alternativa. E a explicação está no rendimento mensal. "Tenho uma reforma de 430 euros, e pago 300" pelo quarto.
Sobram 130 euros para o mês. Tem almoço garantido por uma instituição durante os cinco dias da semana. Guarda a sopa e o pão para o jantar que aquece no micro-ondas do quarto. Ao fim-de-semana não recebe comida, mas a necessidade de se alimentar não desaparece, "tenho de comer qualquer coisa". Admite que chega a "não ter a alimentação que devia" porque são muitas refeições, para além do pequeno-almoço, que "sou eu que pago, compro o leite, o café e o pão. É muito difícil", desabafa.
A despesa na farmácia define o tempo de vida do orçamento. "É conforme a medicação. Numas alturas é a meio do mês, outras na terceira semana. Aí já tenho de pedir dinheiro à senhoria. Como ela já me conhece há muitos anos faz-me esse favor. Mas eu quando recebo tenho de o dar. Portanto, isto é uma rodinha que não tem jeito", conclui.
Estudo
Um quinto dos portugueses está em situação de pobr(...)
O dinheiro nunca chega. Além da roupa e do calçado, Virgínia tem um micro-ondas e um aquecedor e alguns pertences arrumados em caixas. Quando chove, fica no quarto sem janelas. Só sai se a necessidade for imperiosa. Durante os confinamentos da pandemia não conseguiu ver a rua. Refere que "estar sozinha é mau, porque a solidão é horrível. Para além disso, esta questão monetária põe a pessoas deprimida, sem vontade de nada".
A hipótese de viver em residência partilhada foi uma solução que Virgínia recusou. Hoje, não tem a certeza se tomou a decisão certa. A proposta passava por ir partilhar habitação com outras duas idosas. Quando viu o aprumo e a decoração da casa, diz que sentiu "diminuída". Não iria, com os seus parcos recursos, conseguir igualar as condições que encontrou. Continuou num quarto.
Esta realidade é difícil de traduzir em números. No entanto, Catarina Ribeiro, diretora técnica da Associação Fios e Desafios, conhece bem a realidade. Sublinha que a opção passa sempre por encontrar forma de melhorar a vida da pessoa.
"Seria uma alternativa melhor do ponto de vista habitacional, mas existem outras questões que se podem ir tentando trabalhar, embora sejam, por vezes, inultrapassáveis. O que tentamos sempre neste tipo de casos, e temos bastantes, é tentar através dos recursos que existem – económicos, respostas que existem na comunidade – proporcionar às pessoas uma subsistência condigna. No entanto, às vezes essas são situações que não se resolvem, que vão sempre existir".
A Fios e Desafios apoia mais de mil famílias, da zona Oriental do Porto, nas freguesias do Bonfim e Campanhã, com enormes vulnerabilidades sociais - agravadas pela pandemia e com impacto, por exemplo no apoio alimentar.
O programa Recomeçar, "que tinha um número máximo de 80 famílias a receber apoio, passou para cerca de 200", o que obrigou a reforçar a capacidade de resposta. Numa altura em que associação recebe cada vez mais pedidos de ajuda e está perante problemas socioeconómicos para lá do limite.
Margem Sul
Não ter pessoas sem-abrigo em 2023 é o objetivo da(...)