Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Covid-19

Quarentena obrigatória é “claramente inconstitucional”, diz bastonário dos Advogados

11 mai, 2021 - 00:49 • Pedro Filipe Silva , Filipe d'Avillez

Menezes Leitão recorda que não se pode levantar o estado de emergência e querer que tudo fique na mesma.

A+ / A-

Veja também:


A obrigação imposta pelo Governo a todos os viajantes que cheguem a Portugal vindos de países com altas incidências de Covid-19 de fazerem 14 dias de quarentena é “claramente inconstitucional”, considera o bastonário da Ordem dos Advogados.

A questão foi levantada por uma família brasileira, um casal e uma criança, que recorreram ao tribunal para contestar a quarentena de 14 dias a que estavam obrigados, apesar de terem teste negativo, apresentando um habeas corpus que o tribunal aceitou.

A obrigação de quarentena abrange passageiros dos voos originários de nove países, entre os quais o Brasil, França, Índia ou Suécia e está em vigor até ao dia 16 de maio.

Questionado pela Renascença sobre se a medida é inconstitucional, Menezes Leitão não tem dúvidas.

“Claramente que sim, porque o que se passa é que o artigo 27 da Constituição só admite a privação da liberdade em várias situações lá previstas e não prevê qualquer situação de confinamento por doença que não seja doença mental. Portanto, neste quadro, se não estivermos em estado de emergência, não é possível decretar medidas como as que estão a ser decretadas.”

O advogado explica, porém, que a decisão do tribunal de aceitar o pedido da família brasileira não anula a lei, pelo que ninguém pode simplesmente recusar a quarentena enquanto aquela estiver em vigor. “Recusar não podem, porque a decisão só tem valor num caso concreto, mas podem requerer um habeas corpus.”

Menezes Leitão diz que o Governo não tem grande margem de manobra. “Eu não vejo outra hipótese de ultrapassar o artigo 27 da Constituição, a não ser em estado de emergência. Porque para já o que tem ocorrido constitui uma situação claramente inconstitucional, porque o que está a acontecer é que o Governo está a fazer restrições, e nalguns casos mesmo suspensões – porque no fundo isto era uma suspensão à liberdade, dar uma ordem a uma pessoa para ficar 14 dias presa em casa, por ordem administrativa, equivale, no fundo, a privá-la da sua liberdade, por decisão administrativa e não judicial, é totalmente contrário ao que a Constituição prevê.”

“E por outro lado estas determinações estão a ter por base uma resolução do Conselho de Ministros que é um simples regulamento do Governo, quando a Constituição estabelece que as restrições das liberdades e garantias tem de se basear na lei do Parlamento ou decreto-lei autorizado. Portanto tudo isto é completamente inconstitucional neste quadro.”

Para o Governo ter a lei do seu lado seria necessário voltar a decretar um estado de emergência. “Com base num diploma de estado de emergência podemos de facto suspender direitos fundamentais. Se é levantado o estado de emergência não, não é possível levantar um estado de emergência e querer que tudo continue na mesma. Se levanta o estado de emergência, a consequência é que os direitos fundamentais dos cidadãos passam a estar plenamente em vigor, e a Constituição determina que os seus direitos não podem ser suspensos desta maneira, muito menos por um regulamento do Governo.”


“Eu já vi alguns constitucionalistas a dizer que se pode invocar a lei da proteção civil para validar estas resoluções, mas a verdade é que a própria Constituição, no artigo 112, número 5, proíbe as leis de criar novos atos legislativos e estas resoluções são regulamentos, não são leis. E, portanto, resoluções do Conselho de Ministros, regulamentos e atos administrativos a decretar o que na prática corresponde a prisões de pessoas, parece-me claramente inconstitucional”, conclui o especialista.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+