26 mai, 2021 - 20:33 • Ana Carrilho
Depois de mais de um ano de pandemia, a economia e o setor do turismo dão os primeiros passos. “Turismo 2021 – Resistir, Prosperar, Inovar” é o lema do 17º Congresso da ADHP – Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal. Educação, inovação, digitalização, as novas formas de trabalho e as relações laborais, além da promoção, são alguns dos temas a discutir até sexta-feira, em Fátima.
À Renascença, o presidente da ADHP, Raúl Ribeiro Ferreira, fala das dificuldades que foi preciso ultrapassar, da preparação da retoma da atividade e do futuro, em que a “seleção natural” também terá uma palavra a dizer na resistência ou “morte” de alguns empreendimentos. E de como os diretores de hotel – por vezes uma “bola de pingue-pongue” entre a administração da empresa ou grupo e os outros funcionários – são essenciais para a gestão e bom funcionamento das unidades. A criação de uma Ordem dos Diretores de Hotéis continua a ser um objetivo do presidente e da ADHP.
“A Hotelaria e a Restauração são setores habituados a resistir. E temos de inovar para resistir”, diz à Raúl Ribeiro Ferreira, presidente da ADHP – Associação de Diretores de Hotéis de Portugal, logo no início da entrevista à Renascença. E justifica, lembrando que depois de uma crise económica e financeira profunda, o setor do Turismo foi à procura de novos clientes, novos mercados, apresentou novos produtos e experiências.
“Reinventámo-nos e agora, com a pandemia, aconteceu o mesmo”. Raúl Ribeiro Ferreira dá alguns exemplos: recriámos os buffets assistidos ou fomos buscar modelos mais antigos, como os pequenos-almoços servidos à mesa. E há outras coisas novas, como os check.in on-line, as reservas online, as entradas nos quartos sem precisar de cartões que passam de cliente para cliente. É um setor que está sempre a aprender com as situações com que se depara”, conclui o líder da ADHP.
O que não elimina as dificuldades e o impacto nas empresas e nos seus trabalhadores, “gerou-se uma grande insegurança”. Por isso, o Congresso vai tentar fazer o retrato e perceber que setor existe, o mercado de trabalho, para onde estão a ir os mais jovens, o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, a Inovação e a Digitalização.
Logo no primeiro painel sobre” Educação e Emprego no setor do Turismo” participa o analista político e investigador Peter Haxton, que trabalha na Direção Regional (Europa) de Desenvolvimento e Turismo da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Vai falar e dar a conhecer o seu estudo sobre a “Preparação dos trabalhadores para o futuro digital”.
O Turismo foi um dos setores mais afetados pela pandemia, mas Raúl Ribeiro Ferreira considera que isso não travou a procura dos jovens. “(Eles) procuram empregabilidade e o setor não deixou de ser atrativo. Além disso, permite que não fiquem “presos” ao setor. Quando se tira um curso de Restauração ou Gestão Hoteleira, as oportunidades de trabalho vão para além dos restaurantes e hotéis. A pandemia provou-o. Muita gente saiu para a área da Saúde”.
Por outro lado, a procura internacional de profissionais portugueses é enorme, “é uma dimensão de recrutamento muito grande face à dimensão de formação. É por isso que Raúl Ribeiro Ferreira duvida das metas para a qualificação no setor até 2027 referidas pelo ministro da Economia, se não houver um esforço para englobar a Educação. “Não é percetível se o Ensino Superior está envolvido, o que parece é que são essencialmente verbas para a formação, dada pelo TP - Turismo de Portugal. Sem pôr em causa a formação do TP, que é muito boa, para termos um setor com formação a sério, temos que ir além desse nicho. É pouco”.
Raúl Ribeiro Ferreira diz que gostava de acreditar que se aprenderam algumas lições com a pandemia, mas nalguns casos, duvida que tenham sido as “lições certas” e manifesta algumas preocupações.
“Gostava que percebessem que a gestão e os investimentos têm de ser feitos com coerência e consistência, com técnicos que saibam o que fazem. O que nem sempre acontece. Vejo algumas empresas mais preocupadas em poupar nas pessoas do que a pensar no que se pode melhorar. Em alguns sítios vê-se pouca gente a trabalhar em espaços com movimento significativo e quando os clientes reclamam da espera, desculpam-se com a pandemia. Vejo isso com alguma preocupação”.
Sentimento que se repete em relação às greves do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – anunciadas para a primeira quinzena de junho e que vão afetar particularmente o Algarve. “Defendendo os legítimos direitos, poderiam ter arranjado outra forma inovadora de atingir o governo e sem prejudicar tanto o setor e a região”.
Com o desconfinamento e a retoma das ligações aéreas, já começaram a chegar a Portugal os primeiros turistas estrangeiros. E os hotéis estão preparados. A parte da segurança sanitária é a mais simples, garante Ribeiro Ferreira. “Os hotéis sempre tiveram que lidar com doenças e as regras de higiene já eram muito exigentes; agora foram apertadas.
Os clientes estrangeiros, em grande parte dos casos, já estão vacinados e por isso também assumem uma atitude mais despreocupada, embora cumprindo o distanciamento e o uso de máscara. Ao contrário do que acontecia o ano passado, “nessa altura, se chegassem a um hotel e não cheirasse a lixivia, havia clientes que diziam que não estava desinfetado. Hoje em dia, isso já passou”.
A preparação que dá mais trabalho é em termos estruturais, “percebermos até onde podemos trabalhar com as empresas que temos, que aumentos (de pessoal) temos que fazer e quando. E a que preço vamos contratar porque a oferta também é menor”, explica o presidente da ADHP.
Por outro lado, é preciso lidar com o défice de tesouraria. Daí, a importância dos apoios à recapitalização e à tesouraria. “Desde que os hotéis começam a trabalhar até receberem há um delay grande porque os operadores pagam a 60-90 dias. E há que fazer face aos custos operacionais antes de receber. Por isso, Raúl Ribeiro Ferreira vê com bons olhos o apoio anunciado pelo governo à recapitalização das empresas, nomeadamente do Turismo. Mas espera para constatar como é que vão ser operacionalizados e quando.
A pandemia também favoreceu uma certa “seleção natural” no setor. “Na restauração já se nota; na hotelaria, ainda não. A situação pode complicar-se a partir de outubro, com o fim das moratórias, embora o governo também tenha prometido apoio nesta área. Na opinião do gestor, haverá sempre alguma “limpeza natural”, com alguns hotéis não propriamente a fechar, mas a mudar de mãos; fusões e uniões. Será esse o caminho de alguns, mesmo grandes e há uma verba do Plano (de Turismo) para isso.
Nas zonas costeiras e particularmente no Algarve, já se vai sentindo a retoma. Para os fins-de-semana “grandes” há unidades muito bem “compostas”, diz Ribeiro Ferreira. Nas grandes cidades, como Lisboa e Porto, que vivem de oferta complementar, como eventos, bares, discotecas, a procura ainda é muito baixa.
“As pessoas querem sair, ir de férias. E sobretudo a classe média, que o ano passado conseguiu fazer alguma poupança. Querem sair, mas ainda têm medo de ir para o estrangeiro e pode ser uma oportunidade para o mercado interno”.
O facto de os hotéis terem mais despesas com o cumprimento das regras sanitárias não deverá fazer subir os preços. “É a procura que o irá determinar, talvez pontualmente, nos sítios de maior procura. Mas globalmente não vamos ter aumentos. Por muita vontade que tenhamos de receber mais gente, a quantidade de turistas que vai chegar este ano não vai ser tão grande que faça disparar os preços”, antevê o presidente da Associação de Diretores de Hotéis de Portugal.
Raúl Ribeiro Ferreira está a meio do mandato à frente da ADHP, associação que ambiciona transformar em Ordem. À Renascença diz que agora, só depende das entidades públicas. E justifica que esta é uma altura em que o setor precisa de fixar técnicos com conhecimento. “E precisa de perceber, de uma vez por todas que não é possível ter hotéis com amadores a brincar aos hotéis. Enquanto tivermos empresários que pensam que podem ter o jardineiro como diretor do hotel -e infelizmente, temos muitos que vão falindo por esse tipo de atitudes – temos que lhes dizer que o melhor é irem fazer outra coisa qualquer. Mas também é preciso que os responsáveis do Turismo percebam que se querem ter prémios pela qualidade, ela só se consegue com pessoas e qualificadas. São elas que fazem a diferença, não são as paredes, os edifícios ou as vistas”.
Durante a pandemia os diretores dos hotéis foram uma espécie de “bola de pingue-pongue” entre os empresários e os outros funcionários, diz Ribeiro Ferreira. De um lado estavam os empresários, preocupados com os seus investimentos porque não há nenhuma empresa que possa estar parada quase um ano; do outro, os trabalhadores que viram os seus rendimentos significativamente reduzidos pela quebra de atividade e pelos lay-off ou mesmo pela perda do posto de trabalho.
“Tentámos segurar os melhores e dar-lhe algum conforto, mas não podemos esquecer que nós próprios somos funcionários, também temos receios e preocupações. Os diretores de hotel estão naquela posição ingrata: para os outros funcionários somos “o hotel” e para os donos, somos um funcionário como os outros”, explica o líder da ADHP.
Ainda assim, “Confiança” é a palavra que elege para definir o sentimento em relação ao futuro.