30 mai, 2021 - 11:35 • Ana Carrilho
Rita Rebouta nunca irá esquecer aquele Dia de Halloween de 2015: foi quando o médico lhe ligou a comunicar o resultado da ressonância magnética que confirmava o diagnóstico de esclerose múltipla (EM).
Mas os primeiros sinais surgiram ano e meio antes, em fevereiro de 2014. Naquele dia em que tinha exame marcado na faculdade, teve dores de cabeça muito fortes e tonturas, a ponto de quase não se manter em pé. Era um “surto”, mas Rita ainda não sabia.
Ainda assim, conta à Renascença, sempre foi muito atenta aos sinais do seu corpo, e no regresso a casa, em Braga, falou com a família, tendo decidido consultar a médica de otorrinolaringologia que já a acompanhava. A avaliação e a TAC (Tomografia Axial Computorizada) revelaram indicadores normais.
A jovem, na altura com 22 anos, não se conformava: “tinha que haver ali qualquer coisa, a TAC veio normal, mas eu senti-me genuinamente mal”.
Na opinião do médico de família, poderia ter várias doenças autoimunes, incluindo esclerose múltipla. A confirmação veio depois de mais exames, incluindo a punção lombar.
Rita não interiorizou logo bem o que seria ter a doença. “Sempre fui muito racional e parecia que não era nada comigo. O médico falava comigo, para me explicar o que era a esclerose múltipla e eu portei-me quase como aluna (frequentava o curso de Biologia na Universidade do Porto). Tinha um caderninho e escrevia tudo o que ele dizia. Não pensava na doença emocionalmente”.
Rita iniciou os tratamentos em dezembro, com os comprimidos que ia buscar à farmácia do hospital de Braga. O médico alertou-a de que deveria procurar o acompanhamento do colega psiquiatra que segue os doentes com EM. Mas a jovem só fez ao fim de dois anos, quando entrou em depressão.
Entretanto, os seus planos de carreira tinham mudado. Sempre sonhou ser investigadora e ainda iniciou um mestrado de Genética Forense, mas rapidamente percebeu que o stress acrescido não é compatível com a doença.
Desistiu da carreira de cientista e está a fazer o caminho para ser professora de ensino básico e secundário, mas sempre na área das ciências. “Não vou ficar parada, sem fazer nada”.
Há quase três anos, depois de um novo surto, foi obrigada a mudar a medicação, que é agora “mais forte”.
Para uma mulher com esclerose múltipla, ter filhos não é impossível, mas exige um acompanhamento médico muito próximo. Nem todas correm esse risco e por isso Rita, que começou a namorar depois de receber o diagnóstico, fez questão de informar logo o namorado sobre a doença.
“É uma questão que, para o futuro, logo se verá. Por enquanto, não está na nossa mente, revela à Renascença.
Rita deixou o Porto e regressou de vez a Braga. Está com a família e a mãe optou pela pré-reforma para a acompanhar mais de perto. “Ainda estou bastante capaz de cuidar de mim e espero que assim continue por muito tempo”. Mas admite que não quer “contar com o ovo no cú da galinha”, como diz o povo. “Eu não estou sempre bem”.
Isso também a levou a ter outra atitude perante a vida: viver o presente. “Se hoje estou bem, faço as coisas, porque amanhã posso não conseguir; pode doer-me alguma coisa, como aconteceu no fim de semana passado, em que planeava limpar o meu quarto, mas não consegui porque fiquei com uma dor muito forte no joelho”.
E por isso “estou a viver e a aproveitar mais o presente”.
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória crónica e degenerativa, uma das mais comuns que afeta o sistema nervoso central. Afeta 50 em cada 100 mil pessoas, sobretudo adultos jovens, entre os 20 e os 40 anos.
As mulheres são as mais atingidas. Em Portugal, estão diagnosticados cerca de 8 mil doentes; em todo o mundo são mais de 2,8 milhões.
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Os sintomas são diversos, explica à Renascença o neurologista especialista em esclerose múltipla, João Sequeira: perda de força muscular (pode ser só de um lado do corpo), dificuldade de marcha, sintomas sensitivos como dormências, formigueiros nos membros inferiores e superiores ou alterações visuais.
Este pode ser, aliás, o primeiro sintoma, com a inflamação do nervo ótico, o que provoca dor ocular e perda de visão progressiva (nevrite ótica). Outros são mais difusos e difíceis de detetar, porque podem ser indiciadores de várias patologias.
No entanto, João Sequeira afirma que “hoje em dia, os neurologistas e outros médicos, nomeadamente de medicina familiar, têm mais sensibilidade para essas queixas e encaminham o doente para a realização de exames que podem fornecer o (ideal) diagnóstico precoce”.
Por outro lado, Portugal tem disponíveis todos os fármacos aprovados pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) que são disponibilizados gratuitamente aos doentes nas farmácias hospitalares.
E o nosso país é cada vez mais solicitado para a realização de ensaios clínicos novadores, que podem trazer benefícios para os doentes.
Segundo o neurologista, há 15 soluções e os fármacos são cada vez mais eficazes. Ou seja, o avanço da ciência garante aos doentes uma melhor qualidade de vida, com menos surtos (sintomas e/ou sinais neurológicos variáveis) e uma progressão da incapacidade limitada ou mais lenta.
Isto dá esperança a muitos doentes, de poderem ter uma vida mais próxima do que é considerado “normal”, realizando muitos dos seus sonhos pessoais, familiares ou laborais – por exemplo, ter filhos ou uma carreira profissional.
É isso que se quer transmitir neste Dia Mundial da Esclerose Múltipla com a campanha “A vida segue EM frente”, com presença na rádio e televisão.
Apesar da mensagem positiva, os promotores da campanha (Associação Nacional de Esclerose Múltipla, Grupo de Estudos da Esclerose Múltipla, Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, Associação Todos com a Esclerose Múltipla e Merck) consideram que é preciso alertar e sensibilizar a sociedade para a doença.