22 jul, 2021 - 21:44 • Pedro Filipe Silva (entrevista) , André Rodrigues (texto)
A especialista em Bioética Ana Sofia Carvalho considera “lamentável” o acordo alcançado pelos partidos com projetos no Parlamento sobre eutanásia para ultrapassar o chumbo do Tribunal Constitucional.
Esta quinta-feira, PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal acordaram, em reunião informal, um texto final para contornar o “chumbo” do Tribunal Constitucional da lei da eutanásia, ficando a votação para a próxima sessão legislativa.
Em entrevista à Renascença, Ana Sofia Carvalho considera “despropositado, lamentável, quase desonesto” que os partidos tomem esta posição, principalmente “numa altura em que nós devíamos ter a Assembleia da República a preocupar-se com coisas são urgentes, como o quê que vai acontecer aos doentes não Covid que estiveram sem tratamento, sem rastreios”.
Esta especialista avisa que o país vai regredir “anos e anos” ao nível do sistema nacional de saúde “e, para recuperar, isso vai ser um problema”.
Ana Sofia Carvalho lamenta que os deputados se preocupem com a sua "agenda ideológica" e com o que classifica como “situações que são minoritárias e são preocupantes”, porque, lembra, “estamos no meio de um tsunami e, no meio do tsunami, não é a deixar as pessoas morrer que vamos salvar o país e aqueles que mais precisam de nós”.
A investigadora, que já integrou o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, critica, também, a postura dos deputados que, esta semana, tiveram audições com os candidatos aos quatro lugares em aberto para o Tribunal Constitucional, questionando-os abertamente sobre as suas posições em relação à eutanásia.
“Num país onde está salvaguardada a separação de poderes entre poder judicial e poder político e as perguntas incidiram sobre se eram a favor ou contra a eutanásia, havendo um único que se recusou a responder, percebe-se perfeitamente que isto está tudo contrário do que devia estar”, lamenta.
Ana Sofia Carvalho defende, por outro lado, que, ao mesmo tempo que chumbou a lei aprovada no Parlamento sobre a eutanásia, em março passado, os juízes do Palácio Ratton deixaram subentendida a forma de contornar a objeto da inconstitucionalidade.
Os juízes analisaram se os conceitos de "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" tinham ou não "caráter excessivamente indeterminado", dando razão ao Presidente da República apenas relativamente ao segundo conceito.
"A resposta do Tribunal Constitucional já, em si, foi bastante polémica, porque aquilo que o Tribunal Constitucional fez foi dizer aos partidos o que deviam mudar na lei para ela ser aprovada. O que me parece fora do contexto que se diga que um conceito é indeterminado, mas vá ler a lei x ou o decreto y porque lá vai encontrar forma de enquadrar este conceito", argumenta a especialista que, após o chumbo, esperava que "o Conselho Nacional de Ética fosse ouvido, que a Ordem dos Médicos fosse ouvida".
"Se uma das grandes questões é que os médicos não são capazes de determinar os conceitos que eram tão vagos e indeterminados, fazer uma legislação destas sem ouvir órgãos competentes e que conseguem saber exatamente do que estamos a falar, parece-me absolutamente lamentável."
Mais ainda, diz Ana Sofia Carvalho, "numa altura em que já se está de férias parlamentares".