24 jul, 2021 - 15:01 • Lusa
O presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, considera que existe uma “minoria do Interior” que não conta para a estatística das legislativas e que o abandono do Pinhal Interior por parte do Poder Central é imperdoável.
“Constato que nesta nova era, em que a Humanidade cada vez mais acorda para a real necessidade de proteger o ambiente, mas também da igualdade e dos direitos civis, que a população do Interior de Portugal, abandonada pelo Estado Central, se transformou numa minoria discriminada, ignorada, negligenciada e sentenciada a ouvir do Poder Central promessas falsas e fantasias”, disse Valdemar Alves, na sessão solene do Dia do Município, o último como presidente da câmara.
Referindo que o país é hoje governado por uma classe política com a qual não se identifica, Valdemar Alves assinalou: “Independentemente do partido, há uma discriminação que se acentua sobre aquilo que nós somos para eles, a minoria do Interior”.
“Somos uma minoria que não conta para a estatística das legislativas”, frisou, adiantando que Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, vale 3.900 votos”, sendo esta “a conta de somar que a classe política dominante faz”.
Para o presidente do município, “o ato de abandono do Poder Central em relação a toda esta região do Pinhal Interior, a que se assiste há décadas, é imperdoável, mais a mais depois dos trágicos acontecimentos de 2017 [incêndios]”.
Antes, o autarca salientou que “os mais altos responsáveis deste país ainda não entenderam que este território, altamente desertificado e com a sua população envelhecida, não pode ser continuadamente votado ao abandono e a ficar sem possibilidade de aproveitamento do seu enorme potencial económico”.
No discurso, Valdemar Alves, que termina este ano o segundo mandato como presidente do município, declarou que, em 2013, quando aceitou o convite, nunca esperou “viver tempos tão desafiantes e bonitos, mas também tão complexos, bastante difíceis e até negros”.
“Não esperava encontrar uma câmara com falta de estrutura, pouco modernizada e com recursos humanos escassos (…). E, muito menos, seria expectável verificar a existência de uma estrutura organizada no seio da câmara municipal para as atividades ilícitas, situação que ainda se encontra nas mãos da Justiça”, continuou.
Enumerando depois um conjunto de investimentos, concretizados ou em curso, o autarca elencou, igualmente, o trabalho após os incêndios de junho de 2017.
“Atendendo à extensão do nosso território, onde agricultura e floresta cobrem 90% da nossa área, poderei considerar curta a ação sobre a floresta (…), mas esta câmara municipal é pequena, não é Lisboa e não é dona dos territórios particulares que as pessoas não limpam”, realçou.
Segundo Valdemar Alves, “mas se há alguém que é grande e tem capacidade suficiente, que poderia e deveria ter feito algo e deveria estar a fazer neste momento algo”, por este território do Interior, é o Estado Central.
O incêndio que deflagrou em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastrou a concelhos vizinhos provocou a morte de 66 pessoas e 253 feridos, sete dos quais graves, e destruiu cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.
Na sequência deste incêndio, o autarca está a ser julgado, no Tribunal Judicial de Leiria, em dois processos: nas alegadas irregularidades na reconstrução das casas e pela eventual responsabilidade em mortes.
Valdemar Alves foi eleito presidente da Câmara de Pedrógão Grande em 2013, então na lista do PSD. Nas eleições autárquicas de 2017, encabeçou a lista do PS, como independente.
Em maio, o autarca revelou à Lusa que não se iria recandidatar, justificando a decisão com o abandono da região do Pinhal Interior pelo Poder Central.
Na sessão solene, o presidente da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande, Tomás Correia, considerou que este mandato foi marcado pelos incêndios, tendo pensado que “se traduzisse num sobressalto de consciências para tudo aquilo que era preciso fazer em favor do Interior”, no sentido de construir um quadro de coesão territorial,
De acordo com Tomás Correia, o que se observou “são medidas dispersas, sem articulação entre ministérios e, portanto, sem estarem consolidadas num quadro de uma visão que alavanque o desenvolvimento deste território”.
“Infelizmente, nós assistimos, ao invés, ao afã de encontrar culpados. Vimos os mais altos responsáveis deste país dizer ‘houve incêndios, houve mortos, agora nós temos de encontrar culpados’, como se o próprio país tivesse capacidade para enfrentar a calamidade” que atingiu o concelho, afirmou Tomás Correia, acrescentando que se o país tivesse essa capacidade, não teria assistido em outubro de 2017 aos incêndios na região Centro.