27 jul, 2021 - 10:02 • Marta Grosso , Olímpia Mairos
Um plano em quatro níveis para aliviar as restrições, revisão da matriz de risco e vacinação para adolescentes foram algumas das propostas e conclusões que saíram da reunião entre responsáveis políticos e especialistas na sede do Infarmed, em Lisboa.
Dois meses depois da última reunião, o Infarmed voltou a ser palco de um encontro entre responsáveis políticos e especialistas, que fizeram um novo ponto de situação sobre a evolução da Covid-19 em Portugal.
Será também com base no que ouviu esta terça-feira que o Governo decidirá, depois de amanhã, em Conselho de Ministros, se altera as medidas em vigor no âmbito do combate à pandemia.
“É fundamental deixar a economia libertar-se e tra(...)
Os adolescentes com mais de 16 anos começam a ser vacinados contra a Covid-19 no dia 14 de agosto, devendo aqueles entre os 12 e os 15 anos ser vacinados nos fins de semana seguintes. Neste último grupo, desde que haja aval da Direção-Geral da Saúde (DGS).
O calendário foi avançado pelo coordenador da “task force” do plano de vacinação, vice-almirante Gouveia e Melo, durante a reunião no Infarmed, nesta terça-feira de manhã.
“Em 14 de agosto, inicia-se a vacinação dos adolescentes a partir dos 16 anos e depois, entre os 12 e os 15, nos fins-de-semana a seguir, se a DGS acordar a importância da vacinação desta faixa”, anunciou Gouveia e Melo.
Esta é uma população muito significativa, com cerca de milhão e meio de pessoas e com grande mobilidade e grande contacto comunitário, argumenta o responsável pela "task force".
Portugal deve avançar com a vacinação de crianças para evitar picos de casos de Covid-19, defendeu na sua intervenção Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública a Universidade do Porto.
Os mais novos devem ser imunizados também para que no inverno a vida se possa aproximar do que era antes da pandemia, sublinha o investigador.
Sem a vacinação das crianças, que está em análise pela Direção-Geral da Saúde, “haverá um pico inequívoco de casos”, alerta.
"Mesmo com pouco mais de 50% das pessoas verdadeiramente defendidas pela sua imunidade, podemos imaginar um inverno no qual a vida se pode aproximar do que a vida era antes e evitar problemas antes da pandemia. Por isso é fundamental a vacinação das crianças. Caso não sejam vacinadas, haverá pico inequívoco de casos”, afirmou.
Sobre o que se pode esperar para o inverno, o especialista estimou que por cada descida de cinco graus nas temperaturas mínimas médias haverá um aumento de 30% nos casos, mas prevê poucos internamentos na vaga que venha a ocorrer nessa altura.
“Considerando o efeito do frio, dos casos que vão permanecer na população e o aumento de casos que possa surgir por introduções de infeção, assumindo que 70% população adulta tem o esquema de vacinação completo, podemos esperar uma nova onda, pequena”, com pouco relevo nos internamentos e nas mortes, disse.
A importância da vacinação nos mais novos foi também referida pelo Professor Henrique de Barros, investigador no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
O vice-almirante Gouveia e Melo adiantou que Portugal deverá receber mais um milhão de vacinas nas próximas semanas e que o país vai "perder vacinas da AstraZeneca, porque já não fazem sentido no nosso plano".
"Nos primeiros três trimestres tivemos menos vacinas do que o esperado; tivemos uma maior disponibilidade em junho e menos em julho. Vamos receber ainda 5,2 milhões de vacinas", referiu.
O coordenador da "task force" afirma que Portugal já está "numa fase bastante avançada do plano de vacinação e prevê-se que possamos atingir 70% da população com a primeira dose em 8 de agosto, devendo alcançar os 70% da população com as duas doses no fim de agosto, início de setembro".
Na faixa dos 50 anos, há cerca de 4% para terminar; nos 30 anos está muito avançada, bem como a faixa dos 20 anos, sublinha.
Gouveia e Melo adianta que a "task force" está a pensar "encurtar o intervalo para as segundas doses da vacina, pois é importante reduzir o intervalo, porque aumentamos fortemente a proteção contra o vírus e contra a incidência na população".
Entre a população mais desfavorecidas, já foram vacinados mais de 250 mil cidadãos migrantes, com o Brasil em primeiro lugar, sublinha.
Raquel Duarte, especialista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, apresentou um plano de alívio de restrições com quatro níveis de segurança.
Os peritos consultados pelo Governo insistem ainda na importância do controlo de fronteiras e da ventilação dos espaços para evitar recuos no Outono/Inverno.
Raquel Duarte defende que, à medida que avançamos para uma vida mais normal, deve ser incentivada uma “autoavaliação do risco”.
A proposta dos especialistas para a redução das restrições tem por base quatro níveis de implementação - o país está no nível um – e de acordo com a especialista, o nível quatro poderá implicar a imunidade de grupo.
A ventilação/climatização adequada dos espaços, o uso do certificado digital e a autoavaliação de risco são as três regras a aplicar em qualquer dos quatro níveis definidos de acordo com a taxa de vacinação, sendo que para os valores atuais (cerca de 60%) se aplica o nível 1.
Raquel Duarte disse ainda que atualmente, e até ao nível 3, se deve privilegiar o teletrabalho sempre que possível e o desfasamento de horários, a manutenção da distância física e o uso de máscara em ambiente fechado e sempre em eventos públicos.
Quando se evoluir para o nível seguinte na taxa de vacinação, a especialista admite que a máscara pode deixar de ser usada em ambientes exteriores se se puder manter a distância física.
Na restauração, os peritos propõem o aumento do número de pessoas à volta da mesa em espaço interior (de seis para oito pessoas) e exterior (de 10 para 15) quando se progredir para o nível 2.
Nos grandes eventos em espaço delimitado, além das medidas gerais, sugerem que se mantenham circuitos de circulação de pessoas para garantir a distância.
Em grandes eventos no interior sugerem o aumento da lotação ao longo dos diferentes níveis de evolução da taxa de vacinação, começando nos 50%.
Nos convívios familiares, defendem que se deve apostar nas medidas gerais (máscara, distanciamento, etc...) e na autoavaliação de risco.
Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, propõe um conjunto de alterações à matriz de risco, que atualmente tem como indicadores a taxa de incidência e o nível de transmissibilidade (Rt).
"Propomos alterar a matriz de risco e introduzir indicadores como gravidade clínica, mortalidade e cobertura vacinal", disse a especialista durante a reunião do Infarmed.
Os limiares de incidência também devem ser atualizados, “uma vez que a relação entre incidência e doença grave foi enfraquecida”, sublinha.
“Estamos em condições para passar o limitar de incidência para 480 casos de Covid-19 por 100 mil habitantes e do número de referência para a ocupação em cuidados intensivos para 265 camas”, propõe Andreia Leite.
A especialista em Saúde Pública avisa que a vacinação ainda não produziu os efeitos necessários para colocar a máscara de parte.
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Depois de analisar a situação noutros países, como Reino Unidos e Países Baixos, a especialista em Saúde Pública concluiu que “atrasando as medidas não farmacológicas, damos tempo para vacinar mais pessoas e ter assim mais proteção concedida pela vacina. Isso traduz-se em menor número de camas em cuidados intensivos”.
“Revimos os planos de outros países para perceber de que forma incluíam a cobertura vacinal para levantar as medidas não farmacológicas e a conclusão foi que esse levantamento foi feito em fases mais avançadas de desconfinamento, com coberturas de vacinação muito elevadas.”
Na Holanda, sublinha Andreia Leite, “após levantamento de medidas não farmacológicas no final do mês de junho, acabou-se por reintroduzir essas medidas em julho, devido ao rápido aumento do número de caos”.
No caso do Reino Unido, onde as restrições foram levantadas em 19 deste mês, “os pressupostos subjacentes implicam a aceitação da circulação do vírus, o que poderá ter consequências, como a Covid longa, que acontece em casos de Covid pós-agudo”, sublinha.
Para Andreia Leite, a vacinação deve ser usada como planeamento do desconfinamento e os limiares de internamentos em cuidados intensivos devem ser revistos periodicamente.
André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde (DGS), fez um balanço atualizado do estado da situação epidemiológica no país, apontando para um “crescimento ligeiro a estável” nesta altura.
Desde meados de maio, Portugal iniciou uma curva ascendente da incidência cumulativa a 14 dias e está neste momento com uma incidência superior a 400 casos/100 mil habitantes, com média diária de três mil casos, referiu o especialista.
Na região de Lisboa e Vale do Tejo, há já várias regiões com tendência descendente. Na Área Metropolitana do Porto ainda há áreas com tendência crescente, o que pode dever-se ao facto de ter iniciado a tendência crescente depois de Lisboa, explicou.
Os novos casos incidem, sobretudo, nos adultos jovens entre os 20 e os 40 anos, mas também há um aumento da incidência nas outras faixas etárias, nomeadamente na de 80 e mais anos.
É na faixa dos 20-79 anos que há mais internamentos em enfermaria. Nos cuidados intensivos, a faixa mais afetada é dos 40 aos 59 anos e a ocupação é de 78% do valor crítico de 255 camas.
Dos doentes internados, a maioria não tem vacinação iniciada, havendo 5% nos cuidados intensivos com a vacinação completa.
A mortalidade tem observado uma tendência crescente, mas muito diferente do que já foi e muito atenuada com o esforço de vacinação, sobretudo entre a população mais vulnerável. Esta tendência de mortalidade é à custa das regiões com maior incidência: LVT e Algarve, afirma André Peralta Santos.
A vacinação completa reduziu muito o risco de morte em caso de infeção pelo vírus SARS-Cov-2, “o que reforça a confiança na vacinação, que atenua muito o risco ainda que não o anule”.
A testagem foi reforçada sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve. A positividade tem aumentado nas últimas semanas, também naquelas regiões, estando a começar a descer.
A população entre os 15 e os 40 anos aumentou o número de testes efetuados; mas na faixa 45-70 anos reduziu. Os números que podem estar relacionados com o certificado de vacinação exigido para entrar em certos locais, admite André Peralta Santos.
Ana Paula Rodrigues, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), refere que, houve um crescimento da incidência em todo o país.
O "Rt tem vindo a aproximar-se ao 1, o que indica que estaremos próximos do pico da pandemia. Na segunda onda, isto só aconteceu quando foram implementadas medidas restritivas".
Ana Paula Rodrigues sublinha que se regista um aumento de incidência em todas as regiões do país, mas em distintos padrões. Norte e Madeira estão com um Rt mais elevado.
"Temos a epidemia a diferentes velocidades", assinala.
A especialista faz comparação entre a segunda onda da pandemia e a atual onda, indicando que o número de novos casos no grupo com elevada cobertura vacinal (acima dos 60 anos) é menor em relação ao outono. O mesmo não se verifica nos grupos dos 20 e 30 anos.
Há menos internados com mais de 60 anos e mais internamentos na população adulta jovem.
Regista-se uma tendência decrescente de letalidade em todos os grupos etários devido à vacinação.
Desde finais de maio/1 de junho, a monitorização de variantes é feita em Portugal mais em tempo real, passando de mensal a semanal. E foram detetados 2.400 vírus por mês, disse João Paulo Gomes, do INSA.
Já foram sequenciados 12.725 genomas, com origem em mais de 100 laboratórios públicos e privados com boa representatividade geográfica.
Prevalência das "variantes de preocupação (VOC). A Alpha (Reino Unido) subiu até maio, mas depois desceu, dando lugar à variante Delta. Atualmente, a variante Alpha tem uma prevalência residual (1%). A Beta (associada a África do Sul) não temos detetado casos. Gamma (Manaus) tem incidência residual (0,3%-0,4%).
Variante Delta (Índia) é a prevalente, com 98,6% de incidência no país, destacou João Paulo Gomes.
Madeira é a única região onde a variante Delta é mais baixa, mas ainda assim acima dos 95%. É uma variante que se espalhou muito pelo país. Todas as regiões têm uma prevalência acima dos 95%.
Apenas dois casos da variante Lambda, com representação no Peru e Chile, mas com pouca expressão em Portugal, pelo que não deve ser preocupante no nosso país.
Ao nível da União Europeia, a variante Delta é também dominante.
Desde abril, observou-se uma redução de vírus com mutação, o que representa uma adaptação do vírus a uma população cada vez mais imunizada e capaz de lidar contra a Covid-19.
Não há muito mais para descobrir neste vírus para novas mutações, mas está a mostra-nos a capacidade de combinação de várias mutações, que naturalmente serão sempre de preocupação, mas não pela infeção em si, dada o comprovado sucesso da vacinação.
Há um aumento de efetividade comparando uma dose com duas doses da vacina contra a Covid-19, afirma Ausenda Machado, do Instituto de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Para uma dose de vacina de mRNA, a efetividade é entre 35% e 37%. Com duas doses a efetividade varia entre 68 e 78%. Com duas doses, a efetividade em pessoas com mais de 80 anos é superior a 85%
Em termos de risco de hospitalização, Ausenda Machado refere que uma dose da vacina tem efetividade em 59,1%, para as pessoas entre os 65 e os 79 anos, e em 62,5%, para os maiores de 80 anos.
Segundo a especialista, nota-se uma redução de 85% no número de hospitalizações na população com 80 ou mais anos.
Há alguma efetividade, a vacina oferece proteção, mas não está no seu expoente máximo, pelo que é aconselhável a manutenção dos cuidados.
Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, constata que os mais jovens têm menor perceção de desenvolverem infeção.
A perceção de risco de vir a ser infetado com a Covid-19 foi mais elevada entre setembro de 2020 e janeiro deste ano, com um valor máximo de 47,2% dos portugueses a dizer que têm um risco elevado ou moderado de vir a ficar infetado.
No dia 1 de maio de 2020 foi atingido o mínimo, com “44,3%". Um valor idêntico ao registado em maio deste ano.
A professora da ENSP indica que em relação ao desenvolvimento de doença severa, são os mais jovens que apresentam uma menor perceção de risco. Já os mais velhos têm uma perceção de risco mais elevada de ter sintomas mais graves da doença.
Quando às medidas implementadas pelo Governo para conter a pandemia 42,7% dos inquiridos referem que as medidas não são adequadas.
“São mais homens, mais jovens e com menor escolaridade as pessoas que mais consideram que as medidas são pouco ou nada adequadas”.
90% dos portugueses consideram que só em dezembro ou depois serão levantadas as medidas restritivas para conter a propagação da Covid-19.
No que se refere à toma da vacina é no grupo de pessoas dos 26 aos 45 anos que se verificam as maiores resistências, na ordem dos 25%.
Os motivos prendem-se sobretudo com a falta de informação suficiente (57%) e com o medo de desenvolver efeitos secundários (50%), sublinha Carla Nunes.