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Reportagem

Licenciada pega no volante de um camião e diz adeus ao salário mínimo

14 jul, 2021 - 07:00 • Liliana Carona

Em Fornos de Algodres, uma jovem licenciada decidiu, há quatro anos, abraçar a carreira de motorista internacional. Foi somente o salário que a atraiu. Hoje, lamenta não ter tomado a decisão mais cedo.

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Tânia Santinho já passou pela Holanda, Bélgica, Dinamarca, Inglaterra, Luxemburgo, França e Espanha, ao volante de um dos camiões da empresa Vougafrio Transportes, sedeada em Estarreja.

Foi aos 26 anos que a licenciada em gestão de empresas pela Universidade da Beira Interior decidiu tirar a carta de pesados, depois de saltar de empregos que não lhe proporcionavam mais do que o ordenado mínimo nacional.

“Não foi fácil, mandei vários currículos, fui para a Visabeira, mas não me adaptei. Ia para Viseu, gastar dinheiro em viagens com o ordenado mínimo, e desisti. Depois fui rececionista num hotel em Celorico e era tudo o ordenado mínimo”, recorda a motorista internacional que também recebeu o incentivo do namorado.

“O meu namorado tinha uma empresa de transportes e incentivou-me a tirar a carta. Ele acabou por fechar a empresa e acabámos por ir para outra empresa os dois”, conta, recordando a hesitação da mãe.

“A minha mãe, quando soube que eu andava a tirar a carta de pesados, chamou-me maluca, mas já percebeu que esse esforço nos deu muita coisa, e aceitou”, garante a jovem, a residir em Fornos de Algodres e que, durante quatro anos, viveu a rotina de sair à terça-feira à meia-noite e regressar no domingo seguinte.

O ordenado como motorista internacional atraiu a atenção de Tânia Santinho, que, hoje, aos 30 anos, só se arrepende de não ter tomado a opção mais cedo. “Nós ganhamos 1.850 euros, no mínimo, vimos pouco a casa e, quando vimos, queremos é descansar, o que se torna rentável. O ordenado, sem dúvida ,é a minha maior motivação, mas também fiz amigos. Não me arrependo, faria tudo de novo e teria ido mais cedo, se calhar tinha conseguido mais cedo a minha casa, que agora tenho”, declara a jovem.

“A vida de motorista não é só conduzir, também temos de descarregar e carregar paletes com mil quilos, de farinha, de sumos, de águas, o que exige esforço e não estou a ver muitas mulheres a quererem isso”, observa Tânia, em jeito de mensagem enviada às outras mulheres.

Condições nas áreas de serviço "cada vez piores por causa da Covid-19"

Mas nem tudo é um mar de rosas na vida de camionista que Tânia Santinho abraçou. “Noto algum preconceito nos clientes. Acham que as mulheres não têm a mesma força e capacidade profissional. E aquela ideia de que as mulheres são um perigo na estrada, acho que isso nunca vai mudar. Notava pelas expressões dos clientes, que até preferiam um homem”, relata, sublinhando que “vai ser sempre uma profissão mais masculina”.

Para Tânia, a justificação está na segurança e nas condições oferecidas às mulheres camionistas. “As condições que nos oferecem nas áreas de serviço são cada vez piores por causa da Covid-19, cheguei a fazer viagens sem tomar banho, só com toalhitas, foram fechadas áreas de serviço e muitos balneários. Às vezes era preferível pagar e ter melhores condições do que estes gratuitos, a maioria dos motoristas é do sexo masculino e havia quartos de banho sem puxadores”, alerta para as condições que encontra nas viagens.

E nos defeitos que aponta à profissão, há um outro, também difícil de combater. “É uma vida sedentária, não conseguimos ter tempo para nós, para fazer exercício, é impossível fazer uma alimentação saudável, é mais fácil levar enlatados, se levar alfaces, passado dois dias estão estragadas, eu ganhei 15 quilos, e o meu namorado também, não temos tempo para nós”, conclui.

De licença de maternidade até setembro, Tânia Santinho, anseia por voltar aos camiões, ainda que não esconda o receio.

“A minha mãe diz que fica com o menino, mas uma semana fora faz-me pensar”, assume.

Comentários
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  • Carlos
    19 jul, 2021 Montijo 10:00
    Uma coisa tenho a certeza, vai ficar uma Gestora de topo, com conhecimento da realidade. Infelizmente a maioria dos gestores deviam mudar uma roda a um carro pesado, para saber o tempo e o que se sofre, para alem dos numeros.
  • Alcides Gomes da mot
    16 jul, 2021 Santa Maria da Feira 15:42
    É demasiado óbvio,depois que se abriu as faculdades ao privado que isto iria acontecer. Se tivessem criado cursos técnicos,para preparar os jovens para o mercado de trabalho,era óptimo para eles, e para o país
  • Manuel
    15 jul, 2021 Alentejo 16:52
    De facto é um bom ordenado. Mas é muito triste uma licenciada em gestão não ter emprego compatível. Esta é a realidade crua para muitos licenciados que não têm emprego condigno.
  • Daniel Rebelo
    15 jul, 2021 ALGODRES 11:01
    É necessário ter muito força, estás de parabéns.
  • Tiago Guerra
    15 jul, 2021 Mafra 00:27
    Não sei qual é o espanto. A minha mulher com 23 anos já andava agarrada a semi reboques...... Percorremos a Europa toda fizemos uns milhões de kms e transportamos quase tudo o que se pode transportar num camião.
  • pereira alves antonio
    14 jul, 2021 Paris 21:09
    Grande mulher ! merece têr ah melhor sorte do mundo.
  • António Almeida
    14 jul, 2021 Guimarães 20:49
    Grande mulher . A profissão não é para todos quanto mais para todas . ....
  • Ivo Pestana
    14 jul, 2021 RaM 18:42
    Um exemplo para os doutores e engenheiros deste país. Na minha terra qualquer licenciado, adora ser tratado como Dr.
  • MARIA SILVEIRA
    14 jul, 2021 LISBOA 14:20
    Grande Tânia: assim é que é. Gostei imenso de ler a sua estória. Acho que fez lindamente. Demonstra que MULHER serve para todos os trabalhos e ainda para dar à luz, coisa maravilhosa que lhe aconteceu. Parabéns por essa força e que Deus lhe dê saúde para criar o seu filho/filha nos valores que demonstra ter.
  • José J C Cruz Pinto
    14 jul, 2021 ILHAVO 10:14
    E não dá (como não deu) para perceber que esta licenciada substituiria com grande vantagem qualquer dos muitos gestores burros, semi-analfabetos e incompetentes que poluem o nosso sistema micro-empresarial e empresarial, que lhe recusaram emprego e nem metade do ordenado mínimo merecem?

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