22 out, 2021 - 09:36 • Fátima Casanova , Olímpia Mairos e João Malheiro
A denúncia é feita na semana em que morreram dois alunos em escolas portuguesas: faltam desfibrilhadores nas escolas e a formação de professores está a marcar passo.
Em resposta à Renascença, o INEM revela que só 216 estabelecimentos de ensino, dos mais de 5. 600, têm este equipamento que pode salvar vidas em situações de paragem cardiorrespiratória.
Existe uma petição pública na internet, dirigida à Assembleia da República, que pede a obrigatoriedade de desfibrilhadores automáticos externos nas escolas e pavilhões desportivos, pois a lei não obriga à instalação de desfibrilhadores naqueles recintos.
De acordo com a legislação em vigor de 2009 e atualizada em 2012, só é obrigatório a instalação de equipamentos de desfibrilhação em locais públicos, como, por exemplo, lojas de grande dimensão (com mais de 2.000 m2), aeroportos e portos comerciais, estações ferroviárias, de metro e de camionagem, com fluxo médio diário superior a 10.000 passageiros e ainda os recintos desportivos e de lazer, com lotação superior a cinco mil pessoas, ou seja, as escolas ficaram de fora.
Em 2015 é lançado o Programa Nacional de Saúde Escolar, onde se recomenda a formação de professores e pessoal não docente em suporte básico de vida (SBV).
Mais tarde, o Ministério da Educação incluiu nas aprendizagens essenciais dos alunos do 10.º ano, conhecimentos em suporte básico de vida para serem lecionados na disciplina de educação física. O problema é a formação destes docentes, que só há menos de um mês iniciaram formação em SBV com a vertente da desfibrilhação automática externa (DAE).
Desde o dia 28 de setembro, o INEM formou 132 professores e tem mais ações programadas para os próximos três meses. A meta é formar até 4.000 professores até ao final de março do próximo ano.
As escolas não estando obrigadas pela legislação, também não estão impedidas de ter este equipamento e, nestes últimos anos, diversos estabelecimentos de ensino decidiram investir em desfibrilhadores.
São exemplo disso escolas em Ponte de Lima, Sintra e Mangualde. E foi justamente neste concelho do distrito de Viseu, na escola Secundária Felismina Alcântara, que em 2018 um professor de educação física fez uso de um desfibrilhador e prestou socorro a um aluno, de 18 anos, até à chegada do INEM.
“O aluno tinha tido uma aula de educação física, tinha acabado a aula, tinha ido para o balneário, tinha-se vestido, estava pronto para sair do balneário, estava à espera de colegas de turma e, de repente, de um momento para o outro, cai para o chão inanimado”, conta o professor Bruno Soares.
O docente, quando chegou ao local, fez “a avaliação inicial da situação” e apercebeu-se que o aluno estava “em paragem cardiorrespiratória”.
“Enquanto o desfibrilhador não vem, começo imediatamente as manobras de suporte básico de vida. Quando o desfibrilhador chega, faço a aplicação do desfibrilhador que faz a primeira leitura, diz que o ritmo cardíaco, não deteta fibrilhação e, como tal, deve continuar com as manobras de suporte básico de vida. Ao segundo pedido de leitura é recomendado o choque, tinha detetado uma fibrilhação ventricular. O aparelho, sistematicamente, a cada dois minutos continuava a pedir, não indicou necessidade de mais nenhum choque, no entanto, indicou sempre que deveria continuar com as manobras de suporte básico de vida e mantive-me assim até que chegou na altura o INEM”, descreve.
“Fui só um elo entre a ocorrência e a chegada da ajuda especializada”, diz Bruno Soares.
O professor de educação física refere que foi o diretor da escola secundária Felismina Alcântara que teve a ideia de equipar o estabelecimento escolar com um desfibrilhador e defende mudanças na lei, para que passe a abranger todos os estabelecimentos escolares do país.
“Depois deste caso na nossa escola, já vi noticiados vários casos fatais noutras escolas. E, portanto, acho que uma vida que se salva vale qualquer investimento. Todas as escolas deveriam ter e deveria haver mais instituições a ter”, defende. Bruno Soares insiste que “é preciso que as pessoas ganhem consciência que (o desfibrilhador) é a diferença entre o viver o morrer”.
A legislação de 2012 tornou obrigatória a existência de DAE (e elementos formados para o utilizar) nos locais públicos onde, pelo número de pessoas que os poderiam frequentar, a probabilidade de ocorrer uma morte súbita fosse mais elevada.
Segundo disse fonte do INEM, “este processo tem estado a decorrer de forma contínua e sustentada e, atualmente, há cerca de 2.500 espaços públicos” dotados de desfibrilhadores. Entretanto em 2016 foi colocado o primeiro DAE na via pública, onde atualmente já há 40.
A mesma fonte sublinha que “os municípios têm assumido uma posição fundamental para esta evolução”, sendo já mais de 100, os municípios do continente que instalaram estes equipamentos.
Para o sucesso deste processo ganham relevância as escolas, já que estão definidas estrategicamente como um local privilegiado para formar milhares de cidadãos capazes de realizar manobras de SBV e de utilizar um DAE, conhecimentos recentemente incluídos no programa de educação física do 10º ano.