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Combate à corrupção. Nova legislação abre a porta à delação premiada

27 nov, 2021 - 13:00 • Marina Pimentel

A nova legislação anticorrupção em debate no programa "Em Nome da Lei", da Renascença.

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A nova legislação anticorrupção abre a porta à delação premiada. O alerta é feita pelo presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, na edição deste sábado do programa "Em Nome da Lei", da Renascença.

Manuel Soares avalia como "globalmente positivo" o pacote aprovado há uma semana pelos deputados, mas adverte que há "um risco” pelo facto de permitir que as forças policiais possam garantir a dispensa de pena ao arguido que confesse o crime e denuncie os cúmplices, antes de ser constituído arguido.

“Todos percebemos que os corruptos não se arrependam por razões morais”, sublinha, prosseguindo: "As pessoas arrependem-se porque são apanhadas. E, portanto, o que vai acontecer é que vai haver uma tentação das polícias e, nomeadamente, das de investigação, numa fase pré-inquérito, quando estão a fazer prevenção criminal, se descobrem sinais de que determinada pessoa pode ter sido corrupta e, antes de instaurarem o procedimento contra essa pessoa, vão procurá-la para sacar dela a informação que precisam a troco do benefício da dispensa da pena."

Porque é que isto pode ser imoral? "Porque essa pessoa pode ser o elemento mais importante numa cadeia criminosa que, a troco de um resultado imoral, entrega 10 ou 30 pessoas que participaram naquele crime”, acabado ela por não ter de cumprir pena.

Questionado sobre se esta não é uma forma da tão criticada delação premiada, adotada no Brasil, o desembargador do Tribunal da Relação do Porto admite que se trata “de uma forma de delação premiada, com outro nome”. É uma negociação, sem qualquer controlo jurisdicional, na qual "a troco de ganhos de eficácia, podemos ter cedido ganhos de justiça”.

A deputada do PSD Mónica Quintela nega que a nova legislação abra a porta à delação premiada. Lembra que “o PSD sempre se opôs ao mercadejar da Justiça, e por essa razão caíram os acordos de sentença” do texto conjunto negociado entre os dois maiores partidos.

A social-democrata garante que apenas foram aperfeiçoadas as regras existentes em matéria do direito premial.

“O agente é dispensado de pena sempre que confesse o facto”, argumenta. ”Neste momento, o que está na lei é que ele tem de confessar trinta dias após a prática dos factos. O que efetivamente não é nada. Agora, o que fica é que o pode fazer antes da instauração do procedimento criminal. Mas depois, o que os artigos subsequentes dizem é que na fase de inquérito ou de instrução ou até ao encerramento da audiência em primeira instância pode ser dispensado de pena, sempre que tenha contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.”

Manuel Soares contrapõe e revela que o que tem a oposição dos juízes é a negociação que pode ocorrer antes da abertura do inquérito, porque escapa à sua intervenção.

Quanto aos acordos entre o Ministério Público e a defesa do arguido sobre os limites abstratos da pena, em caso de confissão integral e sem reservas da prática do crime punível até cinco anos de prisão, que constavam da proposta apresentada pelo Governo e ocorreriam durante a fase de julgamento, Manuel Soares lamenta que tenham caído, posição partilhada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Adão Carvalho critica a ausência dos acordos de sentença da nova legislação que vai rever os Código Penal, Código de Processo Penal e lei conexas e manifesta também "dúvidas quanto à eficácia do mecanismo de dispensa e atenuação de pena, quando o arguido decida colaborar com a Justiça, na fase de inquérito ou de instrução”, porque o acordo fica sujeito à apreciação do juiz".

“A questão é: quem é que vai arriscar, quem vai denunciar?”, questiona, “apenas na expectativa de que o que foi acordado será cumprido porque fica sujeito às regras gerais da dispensa de pena ;ou seja dependente da avaliação que o juiz venha a fazer sobre se as exigências de prevenção estão salvaguardadas e se o grau de culpa é diminuto”.

Por seu turno, a deputada Mónica Quintela, que negociou com a bancado do PS o texto comum que acabou por ser aprovado por unanimidade, lembra que as leis são apenas uma parte da solução, sendo também precisos meios técnicos e humanos. E esses "faltam e de que maneira".

Mónica Quintela lembra que” faltam mais de 1.500 procuradores" e que "as polícias estão completamente depauperadas em termos de efetivos. O laboratório de polícia científica da PJ não tem forma de dar vasão às perícias. O Ministério Público já está a mandar fazer perícias em regime de outsourcing. Tudo isto é fundamental. Não bastam as leis. Tem de haver recursos humanos e recursos técnicos”.

Enriquecimento ilícito é agora crime de ocultação indevida de vantagem

À beira da dissolução, o Parlamento aprovou também outro pilar importante da luta contra a corrupção e crimes conexos, quando praticados por políticos e titulares de altos cargos públicos: a legislação que cria o crime de ocultação indevida de vantagem. O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público diz, no entanto, que “é ilusão pensar que se vão apanhar todos os políticos que enriqueçam à custa do cargo”.

Adão Carvalho admite que” a nova legislação dá passos positivos”. Mas antevê “muitas dificuldades práticas para o ministério público, por ser necessário fazer prova de que a ocultação de rendimentos foi intencional”.

As dúvidas levantadas pelo procurador Adão Carvalho "podem fazer a diferença entre uma lei eficaz ou uma lei que não serve para nada”, diz João Paulo Batalha.

O consultor de políticas anticorrupção recorda que Portugal se comprometeu internacionalmente a criminalizar o enriquecimento ilícito há praticamente 15 anos “. É um compromisso que está na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção desde 2003. Portugal ratificou-a em 2007. A nova legislação parece-me de facto uma forma inteligente de chegar ao resultado”. Mas só o tempo provará se assim é.

Menos cético, o presidente da Associação Sindical dos Juízes defende que o novo regime vai permitir apanhar políticos e outros altos funcionários da Administração Pública que beneficiaram indevidamente do cargo e que com o atual quadro legal escapariam pelos intervalos da chuva.

Manuel Soares defende que “há novas portas de investigação criminal que se abrem “, porque mesmo que não se descubra que houve um ato de corrupção, a pessoa será punida por não ter cumprida a obrigação de declarar o incremento patrimonial, podendo incorrer numa pena de prisão até três anos.

Manuel Soares saúda, por isso, o acordo a que chegaram no parlamento PS e PSD. Fala num “bloco central de ocasião, mas virtuoso, e ao qual foi possível unir as pontas à esquerda e à direita e que demonstra que não há dúvidas de inconstitucionalidade dos deputados” sobre uma matéria que nas duas anteriores versões legislativas foi chumbada pelo Tribunal Constitucional.

Já João Paulo Batalha lembra que a Entidade da Transparência, “que em primeira linha vai fiscalizar as declarações de rendimento dos políticos e altos titulares de cargos públicos, está criada há dois anos em lei mas ainda não saiu do papel. Está alojada num Tribunal Constitucional que diz que não tem instalações para ela. Tratando-se de uma coisa que vai funcionar numa plataforma informática, as instalações não me parecem propriamente fundamentais! “.

O consultor em corrupção afirma que “há um consenso que o preocupa entre o Tribunal Constitucional e os partidos políticos de que não vale a pena ter pressa” em que a instituição exista.

“Nós já vimos os partidos políticos atirarem a culpa para o Tribunal Constitucional,” recorda.” Já vimos o Tribunal Constitucional devolver a culpa para o parlamento. É uma discussão muito interessante. Mas a verdade é que o mecanismo de fiscalização e controlo em que esta legislação vai assentar ainda não está funcional. E não só não está funcional como quem tem em primeira linha a responsabilidade de o criar parece não ter muita pressa nem muito interesse em criá-lo.”

Comentários
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  • Manuel Pinto
    28 nov, 2021 PORTO 00:35
    A obrigação declarativa para os Magistrados e sua família directa, que só têm e apenas podem viver do exercício da sua profissão e, eventualmente, heranças, em pé de igualdade com os titulares de cargos politicos, que não são profissões e não estão sujeitos à obrigação de exclusividade, tendo por base o mesmo sentido de desconfiança e fuga da riqueza pessoa e eventual criminalização da respectiva omissão/ lapso ou dúvida justificada, é manifestamente desproporcionada e desadequada, tornando-se, pelo livre acesso a matérias da vida pessoal dos Magistrados, perigosa para a segurança e liberdade dos juizes. Estes são principios essenciais do Estado de Direito, constitucionalmente consagrados. Mesmo com uma aparente UNICIDADE nesta matéria do Bloco Central e não só e até apadrinhada pela actual Direcção da Associação Sindical dos Juizes Portugueses deve haver e há quem diga NÃO pois a JUSTIÇA deve ser feita pelos juizes mas tamb3sobre os juizes. Tratamento igual apenas ao que é igual/semelhante e não ao que é substacionalmente e institucionalmente DIFERENTE. Apenas a minha opinião livre e sensata. Terá concerteza aplausos e críticas.. É natural, assim como esta crítica construtiva e fundamentada. Boa noite e saudações democráticas.

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