10 dez, 2021 - 15:46 • Susana Madureira Martins
Ao seu estilo característico, Jaime Marta Soares deixa a presidência da Liga dos Bombeiros, cargo que será ocupado a partir de agora por António Nunes, com um discurso desconcertante, cheio de "recados", como o próprio lhes chamou, e na presença do primeiro-ministro, que saiu do inaugurado Museu do Bombeiro com uma condecoração e uma fénix dos bombeiros feita em vidro debaixo do braço.
António Costa foi ao Paço do Lumiar, em Lisboa na qualidade de chefe de Governo, mas foi como ex-presidente da câmara da capital que foi homenageado na inauguração do Museu "Júlio Cardoso" e onde ouviu rasgados elogios pela "inteligência muito grande", segundo Marta Soares, que reforçou que "seria muito burro não reconhecer isso".
Depois de anos a fio de uma "guerrilha" assumida com Costa, desde os tempos em que ambos eram deputados - aquele do PS e este na bancada do PSD - e que se prolongou quando o socialista ocupou a pasta da Administração Interna, até chegar a primeiro-ministro, Marta Soares vem agora falar de terem feito "mais ou menos as pazes" e de expurgar "sentimentos pessoais".
O ex-autarca de Vila Nova de Poiares lembrou as "muitas pegas" com Costa nos tempos em que era deputado "por causa das finanças locais", assumindo ao mesmo tempo uma "grande amizade" em que ambos chegaram a "tratar por tu", mas que agora o tratamento é "com todo o respeitinho institucional".
Marta Soares, que avisou que vai embora da Liga dos Bombeiros, mas que vai "andar por aí", lembrou mesmo um episódio rocambolesco passado há uns anos e de uma viagem que fez com Costa Estrasburgo para Paris de TGV para viajarem depois para Lisboa.
Antes de entrarem para a carruagem estava "no chão já espezinhado um bilhete de comboio" que o ex-presidente da Liga dos Bombeiros conta que apanhou e que perguntou "oh Toninho, tens o teu bilhete?", ao que o então autarca de Lisboa terá dito que não e que ficasse então "descansado, tenho-o aqui", com Marta Soares a arrancar gargalhadas, incluindo de Costa, ao lembrar este episódio.
Pelo meio ficaram várias farpas, com reivindicações antigas dos bombeiros ao governo de Costa, por exemplo por causa da falta de fatos de proteção individual com Marta Soares a dizer mesmo que os operacionais não são "vistos nem tratados à dimensão" da responsabilidade que têm, criticando a falta de transferências de recursos por causa "do raio" do ministro das finanças, desabafando mesmo que se "conseguisse um ministro das finanças bombeiro" que daria aos bombeiros aquilo "a que têm direito".
António Costa ouviu este discurso muitas vezes a rir-se, numa inauguração de um museu lotado, mesmo no limite do distanciamento social requerido pelas autoridades de saúde, ouviu Marta Soares chamá-lo de novo "Toninho, amigo" para a entrega de condecorações e, no discurso que depois proferiu, assumiu "que quando se vai a correr para um comboio e se deixa cair um bilhete, ainda bem que se viaja com um bombeiro para que o bilhete seja rapidamente recuperado".
O primeiro-ministro assumiu a "relação próxima" e "uma bela amizade" com o agora ex-presidente da Liga dos Bombeiros, lembrando mesmo o final do filme 'Casablanca', vincando que "o voluntarismo continua a ser a base" destes operacionais e lamentando que "em muitas regiões do país a desertificação desertificou também a disponibilidade de recursos humanos para que os bombeiros possam existir enquanto bombeiros voluntários".
Para Costa, é "indiscutível conseguir preservar e manter uma boa estrutura de bombeiros voluntários", terminando o curto discurso dizendo que só não diz que fez "totalmente as pazes com Marta Soares porque sabe que este ficaria "muito infeliz" se não estivessem ambos "parcialmente em guerra", dizendo estar certo que "entre o governo e a próxima direção da Liga, ninguém há de ter saudades do Jaime Marta Soares", arrancando gargalhadas.
No museu inaugurado com a presença do primeiro-ministro e benzido pelo bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, ficou ainda uma menção ao ex-ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita, com Jaime Marta Soares a fazer de Costa emissário de "um abraço" para alguém com quem durante quatro anos foi tendo uma relação tensa na sequência das diversas reivindicações da Liga dos Bombeiros Portugueses.