14 jan, 2022 - 17:50 • Henrique Cunha
Os especialistas começam a defender a possibilidade de se começar a avaliar uma forma de gerir a Covid-19 como uma gripe. Ainda assim, peritos ouvidos pela Renascença dizem que este ainda não é o momento para se avançar nesse sentido.
A estratégia para tratar a Covid-19 como uma doença endémica foi defendida no início da semana pelo presidente do governo espanhol, Pedro Sanches.
Também outros médicos e especialistas defenderam a mesma estratégia, como é o caso do médico Clive Dix, antigo coordenador da "task force" britânica de vacinação, que advogou a necessidade de se repensar a situação para se retomar uma “nova normalidade”.
Em declarações à Renascença, o médico Nelson Pereira, diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Urgência e Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de São João, afirma que “do ponto de vista científico, faz sentido começar a pensar” nessa hipótese, mas refere que “ainda não vislumbra no horizonte uma data para modificarmos a nossa estratégia”.
"Para não fazermos as coisas em cima do joelho, podemos começar a refletir sobre o assunto”, aponta Nelson Pereira, lembrando que “este é o momento em que as pessoas ainda estão a aprender a lidar com as novas regras da DGS”.
O intensivista do Hospital de São João sustenta que também do ponto de vista epidemiológico “não é ainda o momento para o fazer, porque ainda estamos numa fase elevadíssima de novos casos e de incidência”, não se podendo aliviar medidas.
Nelson Pereira defende que essa reflexão se possa fazer “no final da primavera/início de verão, até porque estamos agora perante a dominância de uma variante “mais ligeira” e com uma população bem protegida.
“Temos uma dominância completa desta pandemia por uma variante mais ligeira numa população muitíssimo vacinada e penso que findo este período Outono/Inverno e entrando no período de primavera/verão será certamente a altura de fazer uma reflexão muito pormenorizada sobre o que fazer a seguir”, sublinha.
Também Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, alerta para o facto de ainda estarmos num momento de alta incidência da pandemia, mas não nega que pode estar para breve o momento de se refletir na mudança de estratégia.
O também diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universidade de Coimbra e membro do Conselho das Escolas Médicas e da Ordem dos Médicos diz à Renascença que “seguramente que esse tempo virá", pois “nós naturalmente que estaremos a assistir muito previsivelmente a uma onda final do processo pandémico”.
O pneumologista sublinha ainda assim que “é preciso que se diga isso que nós estamos ainda a atravessar uma pandemia, onde temos um número de pessoas em cuidados intensivos e de óbitos por dia que o confirmam”, mas a evolução de se deseja, que se espera e que se prevê é que na próxima época sazonal tenhamos o coronavírus em coincidência com o vírus da gripe e que se possa fazer a mesma prevenção para os dois vírus. Não havendo nenhuma surpresa será naturalmente isso que poderá acontecer”.
Quando se começar a pensar em tratar a Covid como uma gripe, a nova estratégia poderá passar por deixar de contabilizar os casos diários de contágio e deverá obrigar a que cada pessoa faça a própria avaliação de sintomas e do risco.
Carlos Robalo Cordeiro entende que será necessário continuar a fazer a monitorização da doença e admite a possibilidade de se acabar com o boletim diário da DGS.
Também Nelson Pereira defende a aposta na autorregulação porque “a população está mais protegida e o vírus está mais fraco”.
Os peritos ouvidos pela Renascença admitem a possibilidade de se começar a refletir uma possível mudança de estratégia no combate à doença, mas entendem que há hábitos que não vamos perder.
Para Nelson Pereira, não nos vamos livrar da máscara a breve prazo. “Penso que a utilização da máscara nos hospitais, a proteção das pessoas mais idosas e mais vulneráveis pelas patologias de que possam padecer e a utilização de máscara nesse contexto será para manter”, defende o intensivista.
Por outro lado, Nelson Pereira advoga o “hábito das pessoas não irem trabalhar quando têm sintomas respiratórios e a necessidade de se protegerem do contacto com os outros, e mesmo os próprios hábitos de higienização das mãos e da etiqueta respiratória”.
“Eu penso que nós vamos ter que manter esses hábitos, e a uma comunicação muito permanente sobre toda esta estratégia que é uma estratégia global de proteção das doenças respiratórias e não só deste vírus em particular”, acrescenta.
Também Carlos Robalo Cordeiro refere que o uso de máscara deverá ser uma constante, sobretudo em alturas de pico de circulação do vírus.
O diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universidade de Coimbra lembra que “na última época de vírus influenza, na última época sazonal em que não houve praticamente gripe e mesmo nesta época que estamos a atravessar, isso aconteceu muito por força do que tem sido a utilização das medidas de barreira e concretamente da máscara”, pelo que “é possível e até aconselhável que isso possa passar uma regra pelo menos nos períodos de pico de circulação dos vírus, o influenza e este coronavírus”.