04 fev, 2022 - 06:59 • Anabela Góis
Só dentro de um a cinco anos é que vamos conhecer o verdadeiro impacto da pandemia no diagnóstico e tratamento do cancro. O alerta é feito pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC).
É estimado que a doença tenha provocado a morte de 30.168 pessoas em Portugal em 2020, um número que tende a crescer nos próximos anos face aos atrasos do diagnóstico e tratamento, sendo que o grande impacto nas mortes por cancro deverá sentir-se dentro de um a cinco anos.
“O nosso cálculo é que dentro de um a cinco anos veremos cancros em estádios mais avançados”, diz Francisco Cavaleiro Ferreira, sublinhando que essa será a grande consequência da diminuição dos rastreios de diagnóstico precoce que ficaram por fazer. “Basicamente, quanto mais tarde fizermos o diagnóstico, maior será a probabilidade de encontramos tumores mais avançados, o que obriga a tratamentos mais agressivos e provavelmente a sobrevivência será menor.”
Avança que no ano passado a Liga fez um total de 353.062 mamografias nas unidades móveis e fixas, ou seja, conseguiu “recuperar uma parte significativa dos rastreios que ficaram atrasados nos três meses de paragem, devido às restrições resultantes da Covid-19”. Contudo, lembra que “estes números têm em consideração o alargamento dos rastreios à Península de Setúbal e à grande área de Lisboa, portanto - uma área maior”. Em 2019, tinham sido feitas 339.164 e no ano seguinte apenas 170 mil.
De acordo com o Estudo do Movimento saúde em Dia, nos cuidados de saúde primários, em 2020 foram feitas menos 18% de mamografias, menos 13% de colpocitologia (exame Papanicolau para rastreio do cancro do colo do útero) e menos 5% de rastreios do cancro do colon e reto.
Sobre 2021 ainda não há dados oficiais, mas Francisco Cavaleiro Ferreira não tem dúvidas de que houve diagnósticos atrasados. “Com a maior parte dos recursos focados no combate à pandemia, é impossível que tenham continuado a fazer os rastreios e diagnósticos que teriam de fazer e, portanto, há um atraso que não conseguimos quantificar, mas que terá efeitos na mortalidade dentro de um a cinco anos”.
Dados mostram que continuam ser ultrapassados os T(...)
No Dia Mundial do Cancro, que se assinala esta sexta-feira, o presidente da LPCC defende uma reorganização urgente dos cuidados de saúde primários, que devem estar focados nos diagnósticos e na referenciação do doente com cancro.
“Essencialmente é o re-focar dos cuidados. É o regresso à normalidade e os recursos que existem devem ser focados na prevenção e na deteção o mais precocemente possível do cancro”, defende este responsável da Liga, acrescentando que para que isso aconteça “as equipas têm de ver os doentes, estar com os eles e garantir que têm acesso ao diagnóstico, porque se as consultas não existirem, não vai ser possível identificar os tumores no momento em que deveriam ser identificados. Além de haver a necessidade, em alguns casos, de reforçar os meios disponíveis”.
Este é um desafio que tem dois eixos principais: “Por um lado, a prevenção e, por outro, o diagnóstico precoce ou rastreio. E os dois passam pelos cuidados de saúde primários. Se olharmos para a prevenção o que estamos a fazer é estarmos todos a colaborar no sentido de termos uma boa alimentação, praticarmos desporto, evitarmos o consumo de álcool e tabaco, portanto, todos os fatores que são de risco para o cancro numa fase anterior à doença. E esta fase é fundamental. Depois há uma segunda fase, a diagnóstico precoce que, no fundo, não é mais do que detetarmos o mais cedo possível qualquer tipo de tumor, porque quanto mais tarde for detetado pior é o prognóstico.”
A Liga Portuguesa Contra o Cancro diz que em Portugal nem todas as pessoas têm o mesmo acesso à prevenção, diagnóstico, tratamento e cuidados que salvam vidas e a falta de médicos de família, só por si, já é um fator que provoca assimetrias.
“Quando temos centenas de milhares de portugueses que ainda não têm médico de família… há uma assimetria logo à partida, pois há uns que têm uma porta de entrada para os cuidados primários e uma maior probabilidade de fazer um percurso mais correto, em termos de saúde, e há outros, que não têm essa acessibilidade, isto para não falarmos das assimetrias socio económicas que é outro problema. Há regiões mais pobres onde o acesso aquilo que são os cuidados de saúde é mais difícil, por coisas tão simples como ter um transporte para chegar ao local onde somos atendidos, ou ter a capacidade de comprar alguns dos medicamentos que são necessários e aí a Liga tem um papel fundamental porque complementa o papel do Estado dando apoio a estas pessoas.”
A Liga Portuguesa Contra o Cancro alerta também para o tempo de espera pela emissão de atestados de incapacidade multiuso ao doente oncológico ter aumentado durante a pandemia, havendo doentes a aguardar há mais de dois anos por um documento essencial para acederem aos benefícios, nomeadamente fiscais.
Uma situação que segundo a LPCC piorou devido à suspensão de juntas médicas. “A suspensão das juntas médicas deu origem a atrasos significativos, que afetaram sobretudo os doentes diagnosticados durante a pandemia, e aquilo que nos chega é que continua a haver um atraso significativo na emissão destes atestados.”
Entrevista
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