21 mar, 2022 - 06:17 • Liliana Monteiro
São mudanças que estão a agitar a Justiça. Esta segunda-feira entram em vigor alterações ao Código do Processo Penal aprovadas na reta final da dissolução do Parlamento. O art.º 40.º que regula as incompatibilidades dos juízes vai, segundo os magistrados, gerar o caos nos tribunais.
“Caricaturando, basta que o juiz olhe para a capa do inquérito para ficar impedido de fazer a instrução ou julgamento do processo”, afirma Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP).
O número de impedimentos passou a ser maior, “são impedimentos que não têm a mínima razoabilidade para aquilo que está em causa que é a preservação da imparcialidade do juiz”, diz a ASJP que deixa um alerta, “vai causar o caos, a palavra é forte, mas não há outra para isto! E como o país não é todo Lisboa e Porto - e há muitas comarcas com apenas um juiz de instrução e outras onde nem sequer existe - com os impedimentos em catadupa vamos ter muitos julgamentos adiados. Vão ser os juízes da família e menores, cível, entre outro, a fazer julgamentos crime porque os outros estão impedidos. Teremos ainda a consequência negativa que é os sujeitos processuais poderem utilizar este instrumento para afastarem um juiz que não querem.”
Manuel Ramos Soares teme que este alargamento total dos impedimentos traga atos perversos. “Basta que provoquem a intervenção do juiz para praticar um ato num turno, uma multa a uma testemunha, a constituição de um assistente, validar a apreensão de correspondência, tudo sem relevância para a imparcialidade do juiz para ele ser impedido”, explica.
Porque foi afinal realizada e aprovada por unanimidade esta mudança legal do art.º 40 do CPP? “Muitas vezes as soluções erradas não resultam de nenhuma intensão malévola de quem aprovou a lei, são apenas pouca competência”, lembrando que a aprovação aconteceu na reta final da dissolução do governo socialista, “quem fez, fez isto à pressa, depois caiu governo, era preciso fazer alguma coisa e fizeram isto tudo à pressa e não leram o parecer do CSM, porque se o tivessem lido não tinham aprovado isto assim”, conclui.
A responsabilidade formal essa recai, diz, sobre todos os partidos (iniciativa do PS e PSD) que aprovaram a lei por maioria. “Ninguém espera que os deputados aprovem uma lei que não leram, mas foi isso que aconteceu e são eles todos que devem corrigir o erro que foi feito.”
Nesta altura não é possível travar a entrada em vigor das mudanças à lei porque esta foi aprovada pelo Parlamento e só poderá ser revogada pela própria Assembleia da República que ainda não está em funções.
De uma coisa a Associação Sindical de Juízes diz não ter dúvidas, “o que é seguro é que quando houver parlamento em funções nós vamos propor a revisão imediata desta norma. Já não vamos conseguir infelizmente evitar o descalabro que pode haver nos processos pendentes, porque isto não vai afetar apenas os processos do futuro.”
A juntar às mudanças que aí vêm está também o alargamento da lista de testemunhas que podem ser arroladas e ouvidas em tribunal.
“Ministério Público, assistente ou arguidos, podem chegar ao julgamento todos os dias e, às pinguinhas, está aqui mais uma testemunha, mais um documento, mais uma perícia porque a norma que obriga a que a prova seja apresentada no momento próprio desaparece”, lamenta Manuel Ramos Soares.
A deputada Mónica Quintela lamenta que a interpretação das mudanças legais que hoje entram em vigor não esteja a ser a que esteve na mente do legislador. “Tenho verificado que a interpretação que têm feito não é a correta e, admitindo esta interpretação, pode ser necessário introduzir uma pequena retificação à lei para clarificar o que para nós está correto”, explica.
Esta proposta surgiu das mãos do PSD e foi aceite pelo PS que a incluiu num diploma mais vasto.
A deputada do PSD para a área da justiça esclarece que “obviamente um magistrado que se pronunciou se há indícios numa investigação relativamente a prática de um facto, não está completamente virgem relativamente à matéria que vai ter de julgar e aqui coloca-se a questão da imparcialidade.”
O PSD garante que não se pretende constituir impedimento aos magistrados quando que admite, por exemplo, uma constituição de assistente (que é um ato mecânico), ou se justifica a falta de uma testemunha ou aplica multa. “Isto resulta de bom senso, estes atos de mero expediente não estão incluídos nos impedimentos.”
[notícia atualizada às 10h30 com a data de entrada em vigor das alterações]