22 mar, 2022 - 17:04
O antigo comandante distrital de operações de socorro (CODIS) de Leiria Sérgio Gomes disse esta terça-feira, no julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, que se aprendeu “muito pouco com 2017” e defendeu mais prevenção.
“Aprendemos muito pouco com 2017 e estamos à mercê das condições meteorológicas. O que aconteceu em Pedrógão Grande poderá acontecer em qualquer parte do território”, afirmou Sérgio Gomes, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje prosseguiu o julgamento.
Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram a concelhos vizinhos provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.
Em outubro do mesmo ano, outros fogos na região Centro provocaram 49 mortos e cerca de 70 feridos, registando-se ainda a destruição, total ou parcial, de cerca de 1.500 casas e mais de 500 empresas.
Para o antigo CODIS de Leiria, hoje diretor de uma empresa de prevenção e combate a incêndios florestais, o país tinha “obrigação de apostar mais na prevenção”.
“Os incêndios não se combatem, previnem-se”, declarou a testemunha arrolada pelas defesas do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, dois dos 11 arguidos em julgamento.
Neste processo, Sérgio Gomes foi acusado pelo Ministério Público de 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 14 dos quais grave.
Em sede de instrução, o juiz determinou que não seria julgado dado que, “perante a anormalidade do incêndio e o domínio do evento após o seu recrudescimento”, pouco poderia fazer.
No depoimento, o antigo comandante explicou os contactos que desenvolveu após ter tido conhecimento do incêndio de Pedrógão Grande, em 17 de junho de 2017, recordando que os “oito primeiros contactos foram para pessoas que não estavam disponíveis”.
A este propósito, lembrou depois que o país tem um “sistema assente no voluntariado, que não significa incompetência, mas depende da disponibilidade”.
Confrontado sobre o AROME (previsão meteorológica específica para um local), a testemunha afirmou que se dá “muito ênfase” a esta ferramenta de apoio à decisão, “mas, em termos de operação, vale muito pouco”, pois é “muito limitativa”, não incluindo, por exemplo, a orografia do terreno.
Segundo Sérgio Gomes, o AROME – o MP sustentou no despacho de acusação que Augusto Arnaut não o pediu atempadamente - não contemplava o que veio a acontecer em Pedrógão Grande.
Questionado se era possível fazer evacuações de localidades ou cortes de estrada com segurança, Sérgio Gomes respondeu que era necessário “ter a noção de que o incêndio ia ter aquele desenvolvimento”.
“Naquela realidade, nada fazendo prever aquele desfecho, só puro ato de adivinhação”, disse.
Por outro lado, classificou como não razoável e inaceitável que o 2.º comandante operacional nacional da então Autoridade Nacional de Proteção Civil, agora Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, coronel Albino Tavares, tenha feito durante 22 horas 11 ‘briefings’, quando assumiu o comando operacional dos incêndios de Pedrógão Grande.
O antigo CODIS de Leiria considerou ainda que Augusto Arnaut “fez o que podia ser feito naquelas circunstâncias” e, sobre o antigo autarca de Castanheira de Pera Fernando Lopes, realçou que “na área da Proteção Civil sempre cumpriu com aquilo que eram as suas obrigações”.
“Sempre colaborativo e sempre disponível”, garantiu, recordando um incêndio em 2016 em que foi necessário retirar cerca de duas mil pessoas da Praia das Rocas.
Hoje, o Tribunal ouviu ainda como testemunhas o vereador da Câmara da Lousã Ricardo Fernandes, o vereador da Câmara de Mortágua Luís Rodrigues e o climatologista Mário Marques.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
O julgamento prossegue no dia 29. Em abril, está previsto o testemunho da ex-ministra Constança Urbano de Sousa, que tutelava a Administração Interna à data dos incêndios de Pedrógão Grande.