28 mar, 2022 - 07:15 • Anabela Góis
Nas últimas semanas aumentaram os doentes com Covid-19 nos centros de saúde, mas, na sua maioria, são assintomáticos ou têm sintomas ligeiros. Um aumento que não está a ter impacto nos serviços de saúde. Face a este panorama, a Associação de Médicos de Família defende haver condições para levantar as restrições ainda em vigor.
À Renascença, o presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar confirma que os casos atendidos nos centros de saúde cresceram, mas diz que na maioria são casos que podem ser seguidos à distância, sem sobrecarga para os serviços de saúde.
“Continuamos a ver bastantes doentes que acabam por testar positivo para a Covid-19. A esmagadora maioria deles tem sintomas ligeiros. Continuamos também a ter pessoas que testam positivo sem qualquer sintoma. E o que verificamos é que, quando há sintomas, a maioria são ligeiros a moderados; portanto, permitem manter autovigilância em casa”, descreve Nuno Jacinto.
O mesmo responsável refere que nas consultas e obviamente nas Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios (ADR’s) continuam a ver doentes sintomáticos.
“Embora continuem a surgir casos - e parece estar a haver um ligeiro aumento nas duas ultimas semanas - o facto é que estes casos continuam a ser ligeiros a moderados e, portanto, o impacto que temos, sobretudo, a nível de internamentos e de recurso ao hospital continua a estar aparentemente controlado. Continua a ser possível gerir a maioria destas situações em casa. Visto que também já não temos seguimento telefónico obrigatório regular e estes doentes, que ficam em autocuidados, a carga de trabalho que isto provoca é evidentemente menor”, explica o responsável.
Perante um maior número de casos, mas mais ligeiros, sem sobrecarga nos cuidados de saúde, nem aumento significativo da mortalidade, Nuno Jacinto entende que há condições para levantar as restrições ainda em vigor, mas com exceções.
“Obviamente que haverá situações em que importa manter o cuidado, nomeadamente, no acesso a cuidados de saúde, nos lares de idosos, e importa, sobretudo, continuar a passar a mensagem de que quando temos sintomas respiratórios devemos promover o afastamento, as medidas de etiqueta respiratória, o uso de máscara, enfim, limitar contacto com outras pessoas”, diz.
Segundo o médico, “é previsível que com esta evolução de casos continuemos neste sentido de aliviar as medidas. É expectável que isso aconteça e faz todo o sentido que assim seja”.
“Será essencial - seja com Covid, seja com gripe, seja em futuros invernos e épocas gripais e noutras infeções respiratórias - que estas medidas continuem a caminhar no sentido do seu alívio e da sua retirada dado o quadro que vivemos que, apesar do número de casos existentes não tem representado uma grande sobrecarga para os serviços de saúde ou um grande impacto a nível da mortalidade. Enquanto a situação se mantiver assim poderemos ter então esse alívio previsto das medidas relativas à Covid-19”, defende.
Nesta entrevista à Renascença, o presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar faz um balanço positivo da transferência da vacinação Covid para os centros de saúde e USF. Diz que tem decorrido de uma “forma pacifica” até porque “a transferência se deu numa altura em que a maioria da população já tinha o esquema vacinal completo e o número de pessoas a vacinar não é muito elevado”. Nuno Jacinto destaca, por outro lado, a importância do regresso aos locais de origem dos profissionais que estavam nos centros de vacinação.
“Durante muito tempo tivemos muitos profissionais, sobretudo enfermeiros e médicos e assistentes técnicos, alocados aos centros de vacinação e isso fazia com que estando eles nesses sítios não pudessem estar nas unidades a fazer toda a outra atividade”, observa.
“Neste momento, tendo regressado às USF e às UCSP isso faz com que tenhamos mais capacidade de resposta para todas as atividades, seja atividade programada vigilância de grupos de risco ou doentes crónicos, mas também para resposta ao doente agudo, à realização de domicílios no que toca a enfermagem à parte de pensos, injetáveis, enfim, todas aquelas que são as atividades normais de um centro de saúde e que durante vários meses foram obviamente limitadas por esta questão dos centros de vacinação”, acrescenta.
Sobre o novo Governo, Nuno Jacinto diz esperar que a ministra da Saúde encontre tempo para receber a associação que representa. O pedido de audiência está feito há meses.
“Obviamente estamos a pensar falar com a senhora ministra, aliás, temos um pedido de audiência feito há vários meses e vamos reforçar esse pedido novamente. A nossa postura quanto associação, enquanto médicos de família, vamos manter o diálogo permanente com a tutela, com as estruturas que nos governam e que são hierarquicamente superiores a nós, portanto, não será aqui uma exceção”, diz.
Este responsável reitera que sempre mantiveram abertura, desejando que nesta nova legislatura, e neste novo mandato, seja possível haver mais diálogo, maior capacidade de ouvir quem está no terreno.
“Poderão contar sempre com os médicos de família para isso, para não só identificar os problemas, mas sobretudo para encontrar soluções de forma eficaz responder a esses mesmos problemas. Portanto, temos esperança que seja possível construir estas pontes agora que a pandemia está mais aliviada, mais controlada, e certamente conseguiremos todos dirigir-nos aos problemas do Serviço Nacional da Saúde que já existiam antes e que, ao nível dos cuidados de saúde primários, foram muito acentuados pela Covid-19. Esperamos que haja vontade da senhora ministra da saúde para dialogar connosco, para ouvir aquelas que são as preocupações dos médicos de família portugueses”, afirma.
Esta é considerada a semana decisiva no âmbito da Covid-19. Se tudo correr como previsto, no próximo fim de semana podem cair algumas das restrições ainda em vigor.
Já no que toca aos problemas que preocupam os médicos, Nuno Jacinto diz que são sobretudo, “preocupações relacionadas com as condições de trabalho dos médicos de família. Condições essas que são essenciais para que possamos prestar os cuidados de saúde que os nossos utentes procuram e merecem”.
“Falamos de coisas tão distintas como a carreira médica, os internatos, os mapas de vagas que estão também na origem desta situação dos utentes sem médicos de família que cada vez são mais, a organização das próprias unidades, modelos remuneratórios, enfim, um reconhecimento e valorização do trabalho dos médicos de família que, infelizmente muitas vezes acaba por ser esquecido e não devidamente valorizado e que faz com que muitos profissionais acabem por não sentir o SNS como atrativo e procurem outras opções””, especifica.
“E são estas condições de trabalho juntamente com a capacidade de articulação com cuidados hospitalares, os sistemas de informação, equipamento clinico, instalações adequadas tudo isto em conjunto que importa começar a resolver sendo certo que não são situações passíveis de ser resolvidas no imediato, mas temos de começar a fazer alguma coisa para que no médio prazo possamos ter profissionais mais satisfeitos e isso permita ter como deve ser sempre o foco nos nossos utentes e permita ter equipas completas e que estejam a trabalhar no SNS de modo a conseguirmos ter utentes com os cuidados atempados e que merecem em cada momento”, acrescenta.
A Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar entende que “os cuidados primários devem ser a base de todo o sistema e de todo o Serviço Nacional de Saúde para que possa existir uma cobertura universal e haver cuidados mais equitativos e equilibrados. Para isso precisamos de ter estes recursos humanos com condições dignas que permitam, sobretudo no caso dos médicos de família fazer uma prática clinica com qualidade e com segurança aí que nós temos falado há muito tempo continuam a ser essas as nossas preocupações e é isso que vamos continuara a transmitir à tutela na próxima legislatura”.