28 mar, 2022 - 14:30 • José Pedro Frazão , Cristina Nascimento
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A comunidade ortodoxa de Aveiro revela casos de refugiados ucranianos recolhidos na rua em Portugal. São pessoas que vieram para Portugal em diversos transportes particulares, mas sem terem alojamento garantido.
Alberto Teixeira, responsável da logística da operação humanitária montada pela comunidade ortodoxa em Aveiro, confirma que pelo menos 17 das 20 pessoas socorridas estavam na rua sem apoio em diversos pontos do país.
“Uma família em Alcobaça, uma família em Santa Maria da Feira e depois outras pessoas dispersas aqui e além que foram deixadas em vários locais”, explica, em declarações à Renascença.
Alberto Teixeira relata que estas pessoas “ligaram a amigos ucranianos, conhecidos e foram socorridos” e acrescenta que alguns refugiados estão a chegar "em sofrimento" a Portugal, com a dificuldade adicional do abandono à chegada.
"Chegaram aqui crianças que se abraçam aos nossos voluntários a dizer que estão com medo depois de quatro ou cinco dias de viagem", exemplifica este coordenador logístico da comunidade ortodoxa de Aveiro.
A comunidade ortodoxa de Aveiro tem rejeitado apoiar iniciativas de transporte de ucranianos para Portugal sempre que não tenha garantias de alojamento em Portugal. As autoridades polacas estão mais atentas a estas situações desde a semana passada, conta Alberto Teixeira à Renascença.
"Uma associação alentejana que estava na semana passada na zona de Cracóvia, na Polónia, pediu-me para credenciar o transporte e utilizar o nosso voluntário no terreno. Recusei, porque não os conheço de lado nenhum. Não sei se depois de transportarem as pessoas conseguem dar-lhes sequência", exemplifica este operacional de um grupo informal de instituições que em Aveiro organiza a ajuda e o acolhimento de refugiados, incluindo a comunidade ortodoxa de Aveiro, a Cáritas local, a Diocese de Aveiro, a Mordomia de São Gonçalinho e a União de Freguesias de Glória e Vera Cruz, entre outras entidades.
Alberto Teixeira organiza as viagens para Portugal com registo individual no embarque, comunicado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, seguido de inscrição à chegada na plataforma do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para o pedido de proteção. Esta estrutura aconselha que em todos os casos se faça sempre este pedido de proteção "para o SEF tomar conhecimento que está em território nacional" seguido de um contacto com uma "entidade credível" como uma junta de freguesia "pela proximidade às pessoas, para pedirem apoio à integração" e conseguirem pelo menos o reencaminhamento de cada caso.
A falta de registos à chegada é um problema para a integração destes ucranianos, sobretudo os que vêm com crianças, assinala Alberto Teixeira.
"As crianças acompanhadas não estão a entrar no sistema de ensino nem estão a seguir as aulas online promovidas pelo Ministério da Educação da Ucrânia. E estas pessoas não podem ser inseridas no mercado de trabalho porque sem regularização nada pode acontecer", alerta o responsável logístico da comunidade ortodoxa de Aveiro que chama a atenção também para problemas de sustentabilidade económica na própria comunidade ucraniana residente em Portugal..
Muitos refugiados estão a ser acolhidos por familiares ucranianos em Portugal, mas não têm condições para os receberem durante mais tempo.
"Na última semana fui resolver um problema de um casal que tem um pequeno apartamento e que na sua sala de 12 metros quadrados tinha 10 pessoas a dormir. Foram pessoas que foram trazidas e eles receberam-nas em casa, mas isto rebenta com a economia familiar. Soubemos hoje que a Segurança Social está a atribuir Rendimento Social de Inserção só a famílias de acolhimento ou instituições, deixando estas famílias de fora. Estas já vivem com dificuldades e benevolamente recebem toda a gente e mais alguém até não caberem mais em casa", relata Alberto Teixeira à Renascença.
Subsistem ainda problemas de excesso de oferta de mantimentos dirigidos aos refugiados e aos próprios deslocados internos na Ucrânia. Ciente das dificuldades, a comunidade ortodoxa em Aveiro só aceitou roupa nos primeiros dois dias de guerra.
"A partir daí, só aceitamos comida e medicamentos, porque estamos em ligação direta com instituições dentro da Ucrânia, nomeadamente uma associação em Lviv e a Igreja Ortodoxa Ucraniana a quem entregamos diretamente tudo aquilo que recebemos. Já entregámos dois camiões com 24 toneladas cada, carregados de comida e medicamentos, que foram já distribuídos sobretudo em Kiev , onde a fome é muito grande onde ainda podem entrar camiões com alguma segurança. Usámos camiões de empresas polacas porque as seguradoras portuguesas não autorizam os camiões portugueses a deslocarem-se para a Ucrânia", explica Alberto Teixeira que relata casos a que teve acesso de roupas " abandonadas ao ar livre na Ucrânia, que apodreceram e foram removidas para a lixeira".
Noutros casos, a ajuda para ucranianos acabou por ser reencaminhada para países vizinhos como a Roménia no quadro de centros de acolhimento a refugiados ucranianos. Ainda assim, ainda há quem insista em oferecer roupa que simplesmente não se consegue escoar para o terreno.
"Descarregaram-nos aqui sub-repticiamente duas paletes de roupa - que já tínhamos recusado - que vieram de Barcelos pela mão de empresários que não tinham onde armazenar essa roupa. Não conseguimos escoar essas doações e o grupo conjunto de entidades a que eu pertenço decidiu remeter tudo para a reciclagem porque já há roupa a mais em todas as instituições da economia social", justifica este operacional da comunidade ortodoxa de Aveiro.
[notícia atualizada às 01h04]