30 mar, 2022 - 10:00 • Anabela Góis , Olímpia Mairos
O presidente da Associação de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, diz que os portugueses vão às urgências hospitalares porque não têm alternativa.
Alexandre Lourenço confirma, que nos últimos dias, tem havido uma procura recorde do número de urgências, mas afirma que já era esperada após dois anos com serviços de saúde "a meio gás".
Em declarações à Renascença o presidente da Associação de Administradores Hospitalares alerta que a situação é ainda mais grave porque se tem verificado também a Norte, onde há cobertura quase total de médicos de família.
Para este responsável, é preciso reforçar a capacidade de resposta, defendendo que a solução não pode passar por travar o acesso à urgência a quem não é referenciado pelo SNS 24 ou pelo INEM. “Na prática parece uma medida extrema que pode ser implementada em circunstâncias em que o serviço de urgência realmente não tem capacidade de resposta”, afirma.
Alexandre Lourenço defende que “tem que ser encontrado outro tipo de soluções e ir à raiz do problema”, alertando que “caso contrário, estamos a criar barreiras ao acesso a cuidados de saúde”.
“E nós temos de perguntar porque é que os portugueses vão ao serviço de urgência. E a resposta é clara, é porque não têm alternativa. Não existe outra alternativa que não os serviços de urgência.”
O responsável explica ainda que “qualquer pessoa que quer agendar uma consulta para o médico de família vê que essa consulta é agendada dias depois, meses depois, ou se quer uma consulta hospitalar espera meses ou às vezes anos por ter uma consulta”.
A afluência à urgência ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, continua muito elevada e aumentaram os casos considerados mais graves. São sobretudo infeções respiratórias, gripes e doentes crónicos e complexos descompensados.
Mas de acordo com a diretora da urgência central também estão a aumentar os casos não urgentes e muitos acabam por não ser atendidos. “Continuamos com uma afluência elevada, sobretudo na urgência de adultos, embora a urgência pediátrica também tenha aumentado a sua afluência nas últimas semanas”, refere Anabela Oliveira.
“Na urgência de adultos temos 500 doentes por dia ou mais... e temos mais doentes com prioridade mais alta, mais doentes muito urgentes e urgentes, portanto com a pulseira laranja e pulseira amarela.”
“Mas continuamos a ter a afluência daqueles doentes agudos não urgentes que vinham antes da pandemia e que agora voltaram em força”, completa a médica.
Segundo a diretora, a percentagem de doentes triados com pulseira laranja (Protocolo de Manchester) subiu ligeiramente e anda à volta dos 10%. “Antes da pandemia batíamos todos os hospitais em termos de doentes não urgentes (55%). E, neste momento, temos mais ou menos 30 a 40% de doentes com pulseira amarela e baixou um bocadinho o número de doentes com prioridade verde, contudo, nos últimos dias baixou bastante e muitos não são vistos porque não temos capacidade para estar a ver doentes com pulseira verde.”
A diretora da urgência central do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente) reconhece que têm sido muito elevados os tempos de espera para quem recebe pulseira verde. Muitos acabam por desistir e não são vistos por um médico, mas no Hospital de Santa Maria há alternativas.
Os casos menos graves são encaminhados para os cuidados primários. “Tentamos sempre que os doentes com pulseira verde, que não têm motivo para estar na urgência, sejam transferidos para o centro de saúde. Como temos um protocolo com o ACES Norte damos essa indicação, mas o doente tem de aceitar e muitos não aceitam, preferem ficar na urgência e alguns acabam por não ser assistidos porque o tempo de espera é mesmo muito elevado.”
Também o Hospital de São João, no Porto, tem registado uma elevada afluência às urgências, com mais de 900 doentes por dia.
O diretor da Unidade de Gestão da Urgência, Nelson Pereira, diz à Renascença que “as duas últimas semanas foram semanas de muita procura”.
“A semana passada tínhamos tido na segunda-feira 952 doentes, esta semana tivemos 981, mas está muito para além daquilo que era aconselhável para a dimensão da infraestrutura, quer em termos de espaço físico quer termos dos recursos humanos para atendimento de doentes urgentes e emergentes”, refere.
Segundo o médico, regista-se um aumento do número de doentes com queixas respiratórias, fruto da epidemia de gripe A”, mas que por ser inferior a 20% não justifica o total da procura.
Já sobre o acesso às urgências, Nelson Pereira defende que só devem ir às urgências doentes referenciados.
"As pessoas em princípio devem vir apenas ao
serviço de urgência quando encaminhados por um dos três sistemas que existem a montante
dos serviços de urgência: INEM, para as situações mais graves; SNS 24; cuidados
de saúde primários por referenciação do médico de família ou seu substituto. Pretendemos
que essa seja a regra e que, de uma forma geral, todos os doentes venham assim
referenciados", explica.
Nelson Pereira garante que esta ideia não pretende limitar o acesso aos cuidados de saúde, mas sim garantir que todos são vistos no sítio certo.
"Se as pessoas vierem por sua autorreferenciação
aos serviços de urgência e ultrapassarem estas regras, aquilo que defendemos é que
os hospitais verifiquem se de facto são situações urgentes que estão ali
presentes, e se for o caso naturalmente que tratem as pessoas, com todas as
condições que elas merecem, e que se não forem situações urgentes eles possam
ser reencaminhados", remata.