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Hepatite atípica. O que sabemos até agora?

26 abr, 2022 - 16:20 • Marta Grosso

Já há quase 200 casos no mundo desta nova hepatite que está a afetar, sobretudo, crianças mais novas. O que dizem as autoridades de saúde?

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No início do mês, surgiu na Europa uma nova estirpe de hepatite aguda que está a proliferar. Por ainda pouco se saber sobre ela, é conhecida como “hepatite atípica”, mas também lhe chamam hepatite aguda severa de origem (etiologia) desconhecida ou hepatite aguda infantil.

Quais os sintomas?

  • dor abdominal, vómitos e diarreia;
  • icterícia;
  • coloração escura da urina;
  • acolia (falta de secreção biliar).

Os casos detetados no Reino Unido apresentam níveis elevados de enzimas hepáticas (aspartato transaminase – AST – ou alanina aminotransaminase – ALT – superior a 500 UI/L) e muitos casos apresentam icterícia.

Alguns relataram sintomas gastrointestinais nas semanas anteriores. A maioria dos casos não apresentou febre.

Quem afeta e o que provoca?

As crianças com menos de 10 anos são as principais afetadas pela “hepatite atípica”, tendo sido identificados casos em bebés de um mês e jovens até 16 anos.

Alguns doentes precisaram de atendimento em unidades especializadas de fígado infantil. Uma criança acabou por morrer.

Do total de crianças infetadas no Reino Unido, 17 (aproximadamente 10%) necessitaram de transplante de fígado.

As hepatites agudas são raras nas crianças, pelo que estão a preocupar os especialistas e as autoridades de saúde mundiais.

O que é uma hepatite?

A hepatite é uma inflamação do fígado. Os vírus são a causa mais comum, sendo referenciados cinco principais: A, B, C, D e E.

Os mais graves são os tipos B e C: são os responsáveis por doenças crónicas em milhões de pessoas e, juntos, representam a causa mais comum de cirrose hepática e cancro.

Já os tipos A e E são normalmente causadas pela ingestão de água alimentos contaminados.

Além dos vírus, há outros fatores que podem causar a hepatite, como doenças autoimunes e substâncias tóxicas (álcool e algumas drogas, por exemplo).

Quando apareceu esta nova hepatite que afeta mais as crianças?

Em 31 de março de 2022, o Conselho de Saúde do Serviço Nacional de Saúde Escocês (NHS) Greater Glasgow and Clyde (GGC) alertou a Public Health Scotland (PHS) para a existência de cinco crianças, entre 3 e 5 anos, internadas há três semanas no Royal Hospital for Children (Glasgow) com hepatite grave de etiologia desconhecida.

Até aí, o número médio de casos de hepatite de origem desconhecida na Escócia era inferior a quatro por ano.

Os casos foram aumentando e, no dia 5 de abril, o Reino Unido lançou o alerta. Os doentes são, sobretudo, crianças com menos de 10 anos, aparentemente saudáveis.

Passados sete dias, já havia casos em todo o país, a maioria em crianças entre os 2 e os 5 anos.

Todos os casos foram colocados sob investigação. Em nenhum deles, até hoje (seja no Reino Unido ou noutro país) foi detetado qualquer dos vírus comuns que causam a hepatite viral aguda. Não foi também estabelecida qualquer relação com viagens para outros países como fator de origem.

Onde já foi detetada?

Até ao dia 21 de abril, e segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), foram relatados mais de 170 casos de hepatite aguda de origem desconhecida em vários países:

  • Reino Unido Reino Unido (114 casos)
  • Espanha (13)
  • Israel (12)
  • Estados Unidos da América (9)
  • Dinamarca (6)
  • Irlanda (< 5)
  • Holanda (4)
  • Itália (4)
  • Noruega (2)
  • França (2)
  • Romênia (1)
  • Bélgica (1)

Nesta terça-feira, dia 26, o Ministério japonês da Saúde anunciou que o primeiro caso de hepatite aguda infantil poderá ter surgido no Japão. A criança em causa está internada e não fez transplante de fígado. Deu ainda negativo no teste à Covid-19 e adenovírus.

Há algum caso em Portugal?

Até agora, não. E o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais, da Direção-Geral da Saúde (DGS) assegura que o país está preparado para responder a eventuais surgimentos.

“Estamos todos preparados. Temos uma excelente rede de pediatria, de medicina geral e familiar, de urgências; os médicos do transplante hepático que se faz em Coimbra, em crianças, também estão preparados, em contacto permanente connosco e com as estruturas europeias. Estamos preparados para o que der e vier”, garante Rui Tato Marinho, em declarações à Renascença.

O que pode estar a provocar esta doença?

As hipóteses iniciais, avançadas pelos investigadores britânicos, andavam em redor de um agente infecioso ou de uma possível exposição tóxica. Neste momento, a comunidade científica considera que um tipo de adenovírus – um vírus comum, que costuma provocar infeções respiratórias – pode estar a causar esta hepatite aguda.

Das investigações feitas até agora, não foi identificada qualquer relação entre a hepatite atípica e a toma da vacina contra a Covid-19. Segundo a Agência britânica de Segurança Sanitária (UK Heath Security Agency, UKHSA), no Reino Unido nenhuma das crianças com menos de 10 anos afetadas tinha sido vacinada.

Dos 13 casos relatados na Escócia, e sobre os quais há informações detalhadas disponíveis, três deram positivo para a infeção por SARS-CoV-2, cinco deram negativo e dois foram documentados como tendo estado infetados três meses antes do diagnóstico para a hepatite.

De acordo com os mais recentes dados da OMS, o SARS-CoV-2 foi identificado em 20 casos testados e, em 19, foi detetada uma coinfeção por SARS-CoV-2 e adenovírus.

Durante as investigações, foram ainda realizados inquéritos sobre hábitos e não foi encontrada qualquer ligação entre a doença e alimentos, bebidas ou hábitos pessoais dos pacientes.

As investigações laboratoriais dos casos excluíram hepatites virais dos tipos A, B, C, D e E em todos os casos.

Será o adenovírus?

Os testes permitiram detetar adenovírus em pelo menos 74 casos e, do número de casos com informações sobre testes moleculares, 18 foram identificados como F tipo 41.

Por isso, a comunidade científica acredita que a descoberta da origem da nova hepatite possa passar por aqui. Pensa-se que seja “um vírus chamado adenovírus, que é o vírus que existe na comunidade, provoca infeções respiratórias e gastroenterites, mas há hipótese que seja um vírus modificado, chamado adenovírus 41, mas não há certeza absoluta”, refere o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais da DGS, Rui Tato Marinho, à Renascença.

No Reino Unido, onde há mais casos até agora, foi observado um aumento significativo nas infeções por adenovírus, sobretudo em amostras fecais de crianças, após baixos níveis de circulação no início da pandemia de Covid-19.

Também a Holanda relatou um aumento simultâneo da circulação de adenovírus na comunidade, refere a OMS, que alerta para o facto de o aumento de níveis de adenovírus poder estar relacionado com o número de testes efetuados, que também aumentou.

Além disso, a OMS considera que, apesar de ser uma hipótese importante, o adenovírus não explica totalmente a gravidade do quadro clínico apresentado, até porque a infeção causada pelo tipo 41 não foi previamente associada a tal apresentação clínica.

Os adenovírus são patógenos comuns, transmissíveis de pessoa para pessoa e que costumam causar infeções autolimitadas, nomeadamente respiratórias. Mas podem também causar outras doenças, como gastroenterite (inflamação do estômago ou intestinos), conjuntivite (olho rosa) e cistite (infeção da bexiga).

Existem mais de 50 tipos de adenovírus. O de tipo 41 causa, geralmente, diarreia, vómitos e febre, e é muitas vezes acompanhado por sintomas respiratórios.

Segundo a OMS, embora existam relatos de casos de hepatite em crianças imunocomprometidas com infeção por adenovírus, o adenovírus tipo 41 não é conhecido como causa de hepatite em crianças saudáveis.

Pode a pandemia estar relacionada com esta hepatite?

Os cientistas estão a investigar. O facto de ter havido confinamentos levou ao abrandamento da circulação do adenovírus, que agora, em níveis mais próximos dos anteriores, pode estar a causar efeitos mais gravosos nas crianças mais pequenas. Mas essa relação tem de ser mais estudada. Tal como a coinfeção por SARS-CoV-2.

As hipóteses relacionadas com efeitos colaterais das vacinas contra a Covid-19 não são por agora suportadas, dado que a grande maioria das crianças afetadas não recebeu a vacina.

A OMS e as autoridades de saúde do Reino Unido estão a trabalhar em forte cooperação para descobrir a origem da nova hepatite aguda. Segundo o NHS (o serviço britânico de saúde), os dados laboratoriais mostram que os vírus comuns circulantes em crianças são atualmente mais elevados do que em anos anteriores e há um aumento acentuado de adenovírus, sobretudo na faixa entre 1 e 4 anos.

O Centro Europeu para o Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC) também está a acompanhar a situação, mantendo-se em comunicação com cada um dos países que identificam casos de hepatite atípica, a apoiar as investigações em curso e a partilhar as informações disponíveis através da Rede de Hepatite e com as organizações clínicas da Associação Europeia para o Estudo do Fígado e da Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infeciosas (ESCMID).

Para quarta-feira está marcada uma reunião de emergência, na qual participará o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais da DGS, Rui Tato Marinho.

O que podemos fazer para já?

Ter cuidados redobrados com a higiene. Nos mais jovens, a causa mais comum de hepatite é infeciosa e, dentro desta, a infeção por vírus.

A principal medida preventiva que se pode ter é a lavagem frequente das mãos, cobrir a boca quando se tosse com a parte interna do cotovelo e o uso de lenços descartáveis.

Ao nível da comunidade e nas instituições dedicadas às crianças (como creches e infantários) as regras básicas de higiene pessoal e coletiva devem ser reforçadas. Os objetos de uso pessoal não devem ser partilhados.

Na sua página na internet sobre os adenovírus, a DGS aconselha os pais a estarem atentos a sintomas evidentes de infeção, como febre, diarreia, tosse, conjuntivite, dores de garganta, entre outras manifestações. Em caso de sintomas, devem abster-se de levar os filhos aos infantários/creches/escolas, de modo a evitar o contágio a outras crianças. Devem também procurar o médico assistente.

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