04 mai, 2022 - 07:10 • Ana Carrilho
O Movimento Ibero-americano Stop Idadismo nasceu há um ano (30 de abril de 2021) com um propósito: combater a discriminação em função da idade. É o terceiro preconceito mais grave, depois do racismo e do sexismo. Atinge todas idades, mas incide particularmente sobre os mais velhos, vistos por muitos como “um peso” para a sociedade. E sente-se, também, no mercado de trabalho.
José Carreira, a oessoa que coordena em Portugal o movimento liderado pelo médico e gerontólogo brasileiro Alexandre Kalache, considera que o balanço deste primeiro ano é muito positivo, especialmente tendo em conta os poucos recursos existentes.
“Conseguimos pôr o tema na ordem do dia, mas ainda há muito, muito trabalho a fazer, em Portugal e noutros países”. Passa também pela educação - na escola, a começar pelos mais pequenos - e pela formação, de líderes. Que não vejam os trabalhadores mais velhos como pessoas “a descartar”, mas como pessoas que, com a sua experiência, contribuem para o crescimento das organizações. São os próximos passos a dar.
O aniversário é assinalado esta quarta-feira na Casa do Povo de Santa Bárbara, na Ilha Terceira, Açores. “A primeira entidade que contactou o movimento para uma parceria e que mensalmente, organiza uma atividade de combate ao idadismo. Por isso, temos todo o gosto em celebrar com eles”, justifica José Carreira.
A Organização Mundial de Saúde lançou o ano passado a “Década do Envelhecimento Ativo e Saudável 2021-2030. Estimula os países e as organizações a trabalhar pedagogicamente para desconstruir este preconceito em função da idade (idadismo), privilegiando ações educativas e intergeracionais.
“Por isso, ficámos estupefatos quando percebemos que a OMS queria incluir a “velhice” na lista internacional de doenças”, confessa José Carreira, em entrevista à Renascença.
Desde 2015 que havia uma tentativa para definir a velhice como doença. No seguimento do processo burocrático, em 2018, foi inicialmente incluída na lista internacional como código de extensão. E em maio de 2019, a classificação foi aprovada na 72ª Assembleia Mundial da Saúde. A classificação deveria ter entrado em vigor no da 1 de janeiro.
A contradição da OMS era manifesta e um pouco por todo o mundo, a sociedade civil manifestou-se contra e iniciou o movimento “Velhice não é Doença”, liderado pelo médico, gerontólogo e criador do conceito de envelhecimento ativo, Alexandre Kalache.
O movimento acabou por vencer e a Organização Mundial da Saúde retirou a velhice da lista de doenças. “Foi o resultado de uma grande pressão e movimentação da sociedade civil e temos muito orgulho de ter integrado esse movimento”, diz José Carreira. “Foi claramente um marco neste primeiro ano do Movimento Stop Idadismo”.
Apesar das conquistas deste primeiro ano de atividade, o líder português do Movimento Stop Idadismo admite que ainda há muito trabalho a fazer. Considera que foi uma espécie de “ano zero” porque ainda há uma grande falta de consciência para esta questão na sociedade portuguesa. “Por via do estigma, a partir de uma certa idade, as pessoas tornam-se invisíveis. A sociedade, em geral, não tem a noção de como contribui para que as pessoas mais velhas ainda se isolem mais”.
José Carreira frisa que os nossos “mais velhos” continuam a ser desvalorizados. Lamentavelmente, a partir de uma certa idade, é como se estas pessoas fossem um peso para a sociedade. Ainda não conseguimos fazer ver às pessoas que envelhecer é bom. Morrer não é a única alternativa a envelhecer. O que temos é de envelhecer bem, com qualidade de vida e na posse dos nossos direitos de cidadania. Para o fazermos, temos nós próprios estar conscientes do nosso envelhecimento, lidar com ele o melhor possível e perceber que os outros também envelhecem”.
José Carreira diz que a pandemia “escancarou a velhofobia”: as pessoas têm medo de envelhecer e também não veem as pessoas mais velhas com bons olhos. Às vezes, isso acontece inconscientemente, o preconceito é aprendido desde tenra idade. Quantas vezes não dissemos já “estás bem, nem pareces ter a idade que tens?"
Por outro lado, há uma tendência para ter um olhar paternalista em relação a estas pessoas. “Ainda hoje, quando as restrições sanitárias já foram aliviadas, há idosos que continuam proibidos de sair dos lares, com o objetivo de os proteger de contágios. Decidimos o que é melhor para elas. Não pode ser”, diz o coordenador do Stop Idadismo.
Para José Carreira é claro que a pessoa mais velha tem que ser protagonista da sua vida, capaz de decidir e continuar a ser cidadã ou cidadão de pleno direito. “Muitas vezes isso deixa de acontecer porque os próprios (mais velhos) sentem - porque a comunidade também os empurra para esse pensamento, para esse isolamento não desejado – que já não são úteis e permitem que outros lhes vão retirando direitos. É isso que temos de combater”.
O mercado laboral é uma das áreas em que se sente muito o idadismo. “Muitos trabalhadores, atingindo uma determinada idade são por vezes ‘descartadas’ – uso a palavra porque é isso mesmo que acontece. Sem uma avaliação séria e credível, como por um passo de mágica, passam a ser olhados como improdutivos, incapazes, inúteis para a organização. Sabemos que não é assim”.
É por isso que uma das apostas para o novo ano de trabalhos do Movimento Stop Idadismo é a Formação de Líderes: de entidades publicas e privadas; nacionais e internacionais. José Carreira diz que o objetivo é “lançar a semente e agitar as águas” de quem lidera as organizações, fazendo passar a mensagem de que é importante tirar partido da intergeracionalidade que existe nas empresas ou organizações. E explicar porque é importante contratar pessoas com mais idade: continuam a ser criativas, têm mais experiência, são válidas. “Como sabemos, alguém que fica sem emprego depois dos 50, tem muita dificuldade em voltar ao mercado de trabalho. Num país que envelhece tão rapidamente, que é dos mais envelhecidos do mundo, temos que ajudar a preparar as empresas para gerar equilíbrios intergeracionais”.
Entre as ações pedagógicas desenvolvidas no último ano, o Movimento Stop Idadismo criou um calendário, distribuído pelas escolas para os alunos do 1º ciclo, com a família “dos 8 aos 80, que é cada vez mais dos 8 aos 108, felizmente”. O objetivo é desconstruir o preconceito em função da idade. O passo seguinte é o lançamento de um livro infanto-juvenil para crianças a partir dos 6 anos.
O foco neste ano inicial foram os mais velhos, mas o idadismo também se reflete nos mais novos, por exemplo, no acesso a um posto de trabalho ou a cargo político. “Lembro-me que nas últimas eleições autárquicas, um jovem de 18 anos concorreu à presidência de uma Junta de Freguesia e foi censurado, olhado com desconfiança sobre o que com aquela idade, poderia propor”. Por isso, no 2º semestre vamos lançar outras iniciativas que promovam o encontro de gerações e comunidades para todas as idades. Para que ninguém seja discriminado com base no critério idade”, explica José Carreira.
Além disso, o Movimento quer lançar o Selo Anti-idadismo: “uma distinção a atribuir a entidades públicas ou privadas que tenham práticas e linguagens que ajudem a construir uma comunidade amiga de todas as idades”.