24 mai, 2022 - 00:15 • Cristina Nascimento
Mais de um terço dos alunos e quase 70% dos professores dizem que as suas vidas nas escolas ficaram pior depois da pandemia. É uma das conclusões do primeiro estudo sobre bem-estar socioemocional entre alunos e professores.
O documento, pedido pelo Ministério da Educação, recolheu respostas de mais de oito mil alunos, desde o pré-escolar ao 12.º ano, e de cerca de 1.500 professores.
Margarida Gaspar de Matos, coordenadora científica do estudo, diz à Renascença que ficou particularmente preocupada com os professores. Esta especialista lembra que os docentes, muitas vezes, “tiveram filhos em casa e tiveram também a responsabilidade de tomar conta dos alunos”. A psicóloga justifica a sua preocupação considerando que “um professor perturbado com 30 alunos à frente não vai conseguir fazer o serviço nem por ele nem pelos alunos”.
Já quanto aos alunos, esta especialista considera que o resultado não representa um cenário grave.
“Cerca de um terço dos alunos relatam algum mal-estar depois da pandemia, o que quer dizer também que dois terços não relatam”, ressalva, acrescentando que, “tirando uma minoria, daqui por uns tempos [os alunos] estarão recuperados”.
"Um professor perturbado com 30 alunos à frente não vai conseguir fazer o serviço nem por ele nem pelos alunos"
Nestas declarações à Renascença, Margarida Gaspar de Matos destaca o papel fundamental que os diretores de escola podem ter. “Se os diretores e as diretoras das escolas deste país tomarem consciência da importância fundamental que têm para a saúde mental do ecossistema de toda a escola, docentes, não docentes, psicólogos, pais e os alunos, claro, eles próprios vão querer tomar medidas”, argumenta.
Ainda sobre os docentes, o estudo refere que quantos mais velhos e com maior tempo de serviço, menos positivos são os indicadores de bem-estar, saúde psicológica e perceção menos positiva da qualidade do ambiente da escola e da direção dos estabelecimentos de ensino. Também ficou evidente que "o género feminino carece de atenção redobrada".
No que toca aos alunos, independentemente da pandemia, o estudo indica que, entre os mais velhos, um quarto (25,8%) refere "sentir várias vezes por semana ou quase todos dias tristeza", 31,8% mostram irritação ou mau humor e 37,4% nervosismo.
O documento indica ainda que dois em cada dez alunos assumem dificuldades em fazer amigos e quatro em cada dez "ficam muito tensos quando estudam para um teste".
No rescaldo deste estudo, a Fundação Calouste Gulbenkian avança com uma iniciativa, ao nível da formação contínua dos docentes. A fundação desenvolveu, desde 2018, mais de 100 Academias Gulbenkian do Conhecimento, um projeto que pretende dotar os jovens de ferramentas para enfrentar os desafios do futuro.
“Numa parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, que tem vindo a trabalhar no âmbito das Academias Gulbenkian do Conhecimento toda esta área das competências socioemocionais, puseram à disposição do Ministério da Educação uma formação de formadores para estas dimensões do autocuidado, da literacia emocional, orientada tanto para os adultos, como para os alunos, para as crianças e jovens”, explica o ministro da Educação, João Costa.
"A evidência científica mostra que tudo começa no professor e nós temos que cuidar destes professores"
Esta iniciativa conjunta vai tomar forma já no próximo ano letivo. Pedro Cunha, diretor do programa Academias Gulbenkian do Conhecimento, estima que, “a partir de setembro, arranquem entre 14 e 20 turmas, em todo o país, de formação de formadores para que depois então repliquem essa formação em todo o país, onde for necessário”.
“A evidência científica mostra que tudo começa no professor e nós temos que cuidar destes professores, temos que os ajudar a eles próprios cuidarem de si, a estarem muito conscientes de como as suas emoções, como o seu estado psicológico, a sua saúde psicológica condiciona também o seu trabalho e, depois, condiciona os resultados que eles vão ver do ponto de vista da disciplina, mas também do ponto de vista da aprendizagem dos seus alunos”, argumenta.
As academias Gulbenkian já tiveram impacto na vida de mais de 50 mil alunos, assegura o diretor do programa Academias Gulbenkian do Conhecimento, que garante que os resultados são visíveis.
No rescaldo da apresentação do primeiro estudo sob(...)
Pedro Cunha refere ainda que têm recebido “muitos pedidos de muitos professores de muitas escolas que nos dizem: ‘eu tenho a perfeita consciência de que não tenho muita consciência sobre mim, não sei exatamente como hei de gerir e cuidar do meu próprio bem-estar. Tenho essa consciência e gostava muito de aprender como é que se faz’”.
Os interessados em frequentar este curso de formação de formadores de 50 horas devem manifestar essa vontade por email. O custo da formação é totalmente assegurado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Os formadores terão depois oportunidade de replicar o que aprenderam através dos centros de formação onde habitualmente decorrem as formações de professores, asseguradas pelo Ministério da Educação.