24 mai, 2022 - 07:30 • Liliana Monteiro
“A Constituição portuguesa é bastante antiquada. Diz que as Forças Armadas devem intervir apenas quando as ameaças são externas. Ora, muitas vezes, devem intervir quando as ameaças são internas em questões críticas de segurança interna ou até de proteção civil”, afirma à Renascença Bacelar Gouveia, para quem mais do que nunca faz agora sentido uma revisão geral constitucional em matéria militar.
Nesta terça-feira, o constitucionalista lança um novo livro intitulado “Defesa Nacional e Forças Armadas – uma perspetiva do Direito Militar da Segurança em Estado Constitucional Democrático”. Trata-se de uma obra de avaliação e crítica, “aberta ao trabalho depois de um período de estagnação com a troika e com a geringonça”, sendo agora altura de voltar às reformas. E uma delas é a da segurança nacional.
Na opinião deste especialista – também presidente do Observatório de Segurança Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) – falta um conceito de segurança nacional na Lei Fundamental.
“O Direito Militar é uma matéria pouco estudada, mas cada vez tem mais importância, até porque as ameaças aos Estados vêm de todos os lados e as Forças Armadas têm papel importante e têm de estar equipadas e com um bom enquadramento jurídico”, sublinha.
Em entrevista ao podcast da Renascença Avenida da (...)
A guerra na Ucrânia veio destacar de novo a importância da defesa cibernética, Bacelar Gouveia afirma que “esta realidade não pode ser desconsiderada e nesse aspeto Portugal está na idade da infância: muito pouca coisa tem sido feita e é preciso refazer diplomas”.
Também em matéria de forças policiais, a “Constituição pouco diz”, garantindo que é importante elevar as polícias a uma dignidade maior, sugerindo mesmo que faria sentido “o Presidente da República ser também o chefe supremo das forças policiais e não apenas Forças armadas”.
Bacelar Gouveia considera ainda lamentável que a Constituição nada diga sobre a Proteção Civil. “O nosso país tem sido vítima de coisas terríveis e lembro os incêndios. A Constituição nada diz sobre a estrutura que o país deve ter em matéria de Proteção Civil”.
As contratações na área militar têm, por diversas vezes, suscitado dúvidas. “São serviços de muito dinheiro e todo o cuidado é pouco. Têm de ser devidamente legislados para maior transparência e rigor no âmbito do Direito Militar contratual”, defende.
Lembra que a indústria militar é “poderosa – são negócios em exclusivo, não é uma indústria de mercado – e os interesses menos confessáveis podem irromper”, pelo que “é preciso prevenir esses interesses” e evitar as “perturbações que podem causar”, acrescenta Bacelar Gouveia.
Estudioso do direito da segurança e Direito Militar, o constitucionalista admite que a extinção da Polícia Judiciária Militar (PJM), tal como funciona, é controversa, mas perante o reduzido número de casos militares, alguns com complexidade elevada defende “ser justificável a PJM ficar passar a funcionar junto da Polícia Judiciária de competência geral”.
Contudo, no que respeita aos crimes militares, a PJ deve “ser auxiliada por inspetores militares de carreira”, fazendo estes entender aos órgãos de investigação criminal comuns a cultura militar.
Seria “uma solução de harmonização importante, porque manteria a eficácia da investigação dos crimes estritamente militares”, defende Bacelar Gouveia, em entrevista à Renascença.