11 jun, 2022 - 16:58 • Ana Carrilho
Quase três anos depois de aprovado o Estatuto do Cuidador Informal, continuam a ser muito poucos os cuidadores que conseguem o estatuto e alguns dos benefícios inerentes. A maior parte dos cerca de 846 mil cuidadores portugueses (número estimado) não cumpre os critérios que ficaram definidos na Lei 100/2019 ou no Decreto Regulamentar 1/2022.
Em declarações à Renascença, a presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais – Panóplia de Heróis (ANCI), Liliana Gonçalves diz que até março (números da Segurança Social) apenas 15 mil cuidadores tinham pedido o estatuto e destes, só metade o viu reconhecido. Aqueles que recebem subsídio (em média 310 euros mensais) são uma ínfima parte. “Há qualquer coisa que está a falhar na comunicação, no processo e no acesso”.
A alteração de alguns critérios do Estatuto do Cuidador Informal, tornando-o mais acessível e a um maior número de pessoas, com menos burocracia, tem sido um “cavalo de batalha” da Associação.
E este sábado, simbolicamente, no dia em que assinala o 4.º aniversário, apresentou uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, com esse objetivo. No domingo já deverá estar disponível no site do Parlamento, no espaço dedicado às Iniciativas Legislativas. Quem quiser, também poderá assinar presencialmente num dos vários encontros que a ANCI vai promover em diversas regiões do país.
“Continuamos a ter critérios que excluem muita gente. Muitas medidas, à exceção do subsídio e que chega a poucas pessoas, nem sequer estão implementadas. E há muitas correções a fazer”, acrescenta Liliana Gonçalves.
A presidente da ANCI dá como exemplo os cuidadores que não têm qualquer laço familiar com a pessoa cuidada. Segundo a lei, não podem pedir o estatuto de cuidador informal. Mas, na prática são eles quem cuida da pessoa que precisa. Pode ser uma vizinha ou um amigo.
Segundo o Observatório Português da Saúde, 15% dos cuidadores não têm laços biológicos com a pessoa cuidada. “Estas pessoas também têm que ter acesso ao estatuto e aos seus benefícios”, refere.
Assim como os menores de 18 anos que prestam assistência aos pais, desde que se encontrem referenciados como cuidadores efetivos pelos serviços sociais da sua área de residência, mesmo que não recebam subsídio.
Por outro lado, segundo a proposta da Associação, o reconhecimento do estatuto de cuidador informal deverá deixar de estar dependente da pessoa cuidada receber um complemento de dependência ou subsídio para assistência a terceira pessoa.
O documento a que a Renascença teve acesso refere também uma alteração na designação: o cuidador informal principal passaria a ser designado como cuidador a tempo completo e o cuidador informal não principal, passaria a ser cuidador informal a tempo parcial.
Para Liliana Gonçalves, a alteração justifica-se já que os cuidadores não principais acabam por ser relegados para um “papel menor”, o que não é justo, uma vez que têm o esforço suplementar de conciliar o cuidado com a vida profissional.
Por isso mesmo a ANCI defende um regime laboral que proteja o cuidador a tempo parcial, assegurando um regime de faltas, licença para assistência à pessoa cuidada, regulação do horário flexível, assim como o alargamento da licença parental inicial até 1 ano para os titulares dos direitos de parentalidade a quem seja reconhecido ao estatuto de cuidador informal.
O Estatuto em vigor faz depender a atribuição de um subsídio ao cuidador informal principal da verificação de recursos e basta que o rendimento de referência do agregado familiar seja superior a 576 euros mensais para ser excluído. `
“Só uma minoria de pessoas consegue ter acesso ao subsídio e são as que já estão em risco de pobreza. Queremos que abranja todos os cuidadores, com um valor fixo entre o IAS – Indexante dos Apoios Sociais (443,20 euros em 2022) e a Remuneração Mínima Garantida (705 euros). Deve ser um apoio digno e não uma medida de combate à pobreza”, refere Liliana Gonçalves.
Outra medida que continua por regulamentar é o direito ao descanso do cuidador. A Associação Nacional de Cuidadores Informais defende um descanso não inferior a 58 dias úteis/ano. Ou seja, em média, 1dia/semana. Que pode ser para efetivo descanso em férias, mas porque o próprio cuidador também tem algum problema de saúde ou simplesmente, precisa de tratar dos seus assuntos.
Nesta situação, a pessoa cuidada deverá ficar numa unidade da RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Atualmente, paga a permanência em função dos rendimentos, mas a ANCI quer que esse ingresso passe a ser gratuito.
Neste ponto há uma dificuldade acrescida: as vagas na RNCCI são poucas . Liliana Gonçalves não tem dúvidas:” as vagas têm de aumentar. É uma decisão política e o governo tem de a tomar. Os direitos não podem colidir com a escassez de lugares”.
A Associação defende ainda a majoração do subsídio ao cuidador a tempo completo correspondente a 100% do valor das contribuições do 1º escalão do seguro social obrigatório.
Por enquanto, apenas quem recebe subsídio pode fazer descontos para a Segurança Social. “Mas muitos não o fazem porque o pouco que recebem – em média, à volta de 300 euros – não chega para os descontos. E futuramente há muita gente que poderá estar em situação de maior carência económica, sem uma reforma com um mínimo de dignidade. Queremos que estas pessoas tenham condições para fazer descontos e ter acesso a uma pensão de reforma”, diz Liliana Gonçalves.