21 jun, 2022 - 18:30 • Pedro Mesquita , Rosário Silva
Se a fase mais critica da pandemia está de partida, a verdade é que os dados do Ministério da Saúde revelam que, nos últimos meses, registou-se um aumento da mortalidade.
Por exemplo, segundo os dados do ministério liderado por Marta Temido, consultados pela Renascença, no dia 14 de junho deste ano morreram em Portugal 414 pessoas, por vários motivos.
Há um ano, no mesmo dia, tinham morrido 286 pessoas. Ou seja, a 14 de junho de 2022 morreram mais 128 pessoas do que a 14 de junho de 2021.
Também a média diária de óbitos, entre 2009 e 2021, variou entre 226 e 295 mortes, respetivamente, muito aquém das 414 registadas no ultima dia 14 de junho, sendo que destes óbitos, apenas 38, estavam infetados por Covid-19.
Para perceber o que se está a passar, a Renascença conversou com Gustavo Tato Borges.
O presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública (AMSP) avança com duas explicações para o fenómeno. Por um lado, muitas doenças crónicas terão sido agravadas em resultado das infeções por Covid, mas, por outro, fazem-se agora menos testes, o que poderá estar a distorcer os números.
“A nossa capacidade de deteção com o nível do número de testes que estamos a fazer é baixa, e há muita gente que teve a doença Covid e que o sistema não o reconheceu como tal”, lembra.
Neste grupo de pessoas, “algumas terão morrido e podem ter aqui um peso interessante nesta mortalidade”, isto para não falar das doenças crónicas que foram agravadas com a pandemia.
“Os riscos cardiovasculares, respiratórios, até doenças neurológicas, há várias consequências de uma infeção por Covid, que não podem ser negligenciadas e podem ter também agravado bastantes doenças crónicas, que em Portugal não foram tratadas atempadamente”, alerta Gustavo Tato Borges.
“Há aqui um impacto de mortalidade indireto por parte da Covid que devia ser estudado um pouco mais”, acrescenta o presidente da AMSP.
Na leitura do professor Vitor Veloso, presidente da secção norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), também ouvido pela Renascença, a situação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é muito grave e muitos dos pacientes foram deixados à sua sorte.
“Infelizmente, olho esses números com grande preocupação, uma preocupação que denunciei há vários meses, dizendo, inclusivamente, no que diz respeito às doenças oncológicas, que a mortalidade ia subir exponencialmente”, recorda o responsável.
“Os doentes, durante a pandemia, foram abandonados, pela falta de acessibilidade não só aos médicos de família, como aos meios de diagnóstico”, além de que “as listas de espera continuam, por mais que queiram branquear a situação”, profere, Vitor Veloso.
O presidente da secção norte LPCC afirma não ter números, mas sim “testemunhos de que os tempos que estão afixados pelo Ministério da Saúde em relação ao tempo de espera”, para as cirurgias e para outros tratamentos, “estão altamente ultrapassados”.
“Não só em oncologia, mas todas as outras doenças crónicas foram desleixadas”, menciona.
Para Vitor Veloso, “ninguém pode escamotear” que o SNS “está subfinanciado e produz menos”, necessitando de “um maior número de intervenientes”.
O SNS que era uma das nossas bandeiras, neste momento, está extremamente doente e precisa de uma reestruturação, de uma remodelação e, sobretudo, de pessoas que não sejam pessoas de secretária”, acrescenta.
Na análise que efetua, o especialista lembra que “quando acontecem situações catastróficas”, como a que está agora a acontecer na Obstetrícia/Ginecologia, “é que se tomam algumas medidas pontuais, que não vão resolver coisa nenhuma, pois não são estruturantes”.
Se tivesse que dar uma classificação à situação que se vive em Portugal na área da saúde, numa escala de 0 a 10, o mesmo responsável é perentório: “Neste momento seria um três”.