04 jul, 2022 - 06:36 • Lusa
"Precisávamos de ter um número, nos cuidados primários, que fosse pelo menos o dobro. E porquê? Para garantir que poderia haver psicólogos a tempo inteiro, tal como existem nos outros países, porque é isso que está baseado em evidência, a fazer este tipo de abordagem, de programas de 'stepcare' de depressão e ansiedade." A ideia é defendida pelo coordenador nacional das políticas de saúde mental.
Em entrevista à Lusa, Miguel Xavier lembra que os psicólogos nos cuidados de saúde primários "têm de responder às múltiplas necessidades e têm dificuldade, como é óbvio, em centrar-se num tipo de trabalho".
O coordenador defende que "deveria haver uma força de trabalho exclusiva para os programas de abordagem da doença mental comum nos cuidados primários, tal como fez Inglaterra, como fez a Austrália e como estão vários países a começar"
Sublinha que é preciso psicólogos "num número muito razoável" para dar resposta às pessoas com quadros de possível depressão e ansiedade: "Não nos bastam 20, ou 30, ou 40, ou 50 psicólogos".
"Temos que ter muito mais gente a trabalhar articulada com os cuidados de saúde primários. E isto vai ter de ser uma aposta para o futuro. Das duas uma: ou nós queremos ter os cuidados nos cuidados primários prestados ou não queremos. Não podemos ter as duas coisas, ter os cuidados prestados e fazer poupanças a este nível", insiste.
Miguel Xavier enaltece o trabalho dos centros de saúde, destacando: "Grande parte do impacto da saúde mental relacionado com a covid não foi na doença mental grave, mas na doença mental chamada comum". E aí, prossegue, "o colchão de amortecimento é nos cuidados primários. E houve um trabalho muito importante feito".
"Se me pergunta se os cuidados de saúde primários estavam totalmente preparados para isso, não. Porque falta lá toda a vertente de apoio psicológico", afirma, considerando que o país tem de ter respostas não farmacológicas nos cuidados primários.
Nesta entrevista, o coordenador nacional das políticas de saúde mental sublinha a importância de prestar estes cuidados o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem, facilitando o acesso e reduzindo o estigma.
"Se as equipas estiverem em locais associados a estigma - e o exemplo clássico eram os hospitais psiquiátricos - é normal que exista alguma dificuldade no acesso. Quanto mais nos aproximamos de onde as pessoas vivem, mais as barreiras ao acesso vão diminuindo", considera.
Miguel Xavier aponta que estas dez equipas comunitárias, com profissionais de várias áreas, juntam-se às dez criadas no ano passado. Devem seguir-se outras cinco em 2023, dez em 2014 e cinco em 2025. No total, serão 40, espalhadas por todas as regiões do país, metade para adultos e metade para crianças.
O responsável lembra a necessidade de estas equipas multidisciplinares, que estão a receber formação, funcionarem em articulação com os cuidados de saúde primários: "Não quer dizer que tenham de estar nos centros de saúde".
"Algumas poderão estar, mas outras poderão estar em outras instalações na comunidade. Há uma linha que é a linha da vida natural das pessoas, que faz com que as necessidades possam ser diferentes em determinadas alturas das suas próprias vidas. A equipa está preparada para responder a isso", afirma.
Sublinha que estas equipas, além de prestarem um serviço "integrado e completo" à população, devem servir de molde para a reorganização que está a ser levada a cabo nos serviços. "Temos de evoluir para a setorização dos cuidados, como o resto da Europa já fez: cada região é servida por um serviço local de saúde mental que, por sua vez, faz uma divisão da população que tem a seu cargo, em áreas populacionais mais pequenas, cada uma delas com uma equipa comunitária", explicou.
Miguel Xavier reconhece que os recursos atuais não são suficientes e explica: "Há serviços que já têm equipas comunitárias em funcionamento, outros que têm profissionais na comunidade, mas não tem verdadeiras equipas, e há serviços que não tem nem uma coisa nem outra".
Quanto à retirada de doentes crónicos das instituições, outra das prioridades, diz que poderão ser entre 200 a 300 pessoas, mas refere que nem todos os casos são abrangidos.
Contudo, frisa, é preciso garantir "que o processo de transição se faz de uma forma correta" e que as pessoas saídas dos hospitais manterão "exatamente os mesmos cuidados".
Para acolher estes doentes, vão ser abertas candidaturas para instituições do setor social, privado e público se proporem a dar estas respostas: "Cada resposta tem um preço que é pago pelo Plano de Recuperação e Resiliência".
Sobre as quatro unidades a criar nos hospitais gerais para receber doentes agudos - no Médio Ave (Santa Maria da Feira), no Centro Hospitalar do Oeste (Caldas da Rainha e Peniche) e no Hospital Fernando da Fonseca - explica que abrirão à medida que forem fechando os hospitais psiquiátricos.
"Em todos os quatro serviços os contratos para a construção já foram assinados", explica, citando o financiamento do PRR e observando que tudo tem de estar pronto em 2026.