04 jul, 2022 - 20:53 • Ana Carrilho
O bastonário da Ordem dos Médicos rejeita a ideia de que haja portugueses de primeira, com direito a um médico de família, e portugueses de segunda, sem acesso a esta especialidade.
“Não podemos dizer que temos portugueses de primeira e portugueses de segunda, porque têm ou não direito a um médico de família”, referiu Miguel Guimarães, numa conferência de imprensa via Zoom, no final da reunião do Fórum Médico.
A entidade, constituída pela Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar, Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e Ordem dos Médicos (OM), não aceita que sejam clínicos de outra especialidade ou mesmo sem especialidade, a exercer as funções de médico de família.
Cerca de 1,4 milhões de portugueses não tem atualmente médico de família, mas, para estas organizações, esta não é a solução. Consideram até que pode não ser legal e por isso Miguel Guimarães anunciou o pedido de intervenção do gabinete jurídico.
“A situação é muito grave”, frisou Miguel Guimarães, que convocou a reunião, apontando três motivos.
Por um lado, a excelência da formação nesta especialidade. Cerca de um quarto das vagas de especialidade são para esta área e este ano o número de novos especialistas até é superior aos habituais 500; são 550. Para o Bastonário, é bem claro que o país tem mais médicos de Medicina Geral do que aqueles que precisa. O problema é que só metade está no SNS. Neste momento, há 1.400 que não trabalham para o Serviço Nacional de Saúde.
Em segundo lugar, Miguel Guimarães aponta o dedo ao Executivo que não está a seguir nenhuma das opções apresentadas pelas entidades do Fórum, sociedade civil e mesmo pelos partidos.
Finalmente, o Bastonário deixa claro que “um médico sem especialidade não é um médico de Medicina Geral e Familiar. Uma especialidade que evoluiu muito nos últimos anos, sendo que os médicos de família têm um papel insubstituível no encaminhamento dos utentes”.
“Para que fiquem no SNS é preciso que tenham ordenados dignos e condições de trabalho”, frisou Teresa Palminha, da Federação Nacional dos Médicos, lembrando que há 15 anos que não há aumentos salariais nem progressão nas carreiras.
Perante a gravidade, o bastonário da OM diz temer a saída de mais clínicos do SNS nos próximos meses.
“Se neste momento já temos uma taxa de abandono nos hospitais e centros de saúde que é muito elevada; se já temos preenchimento de vagas para assistente, seja de Medicina Geral e Familiar seja para outras especialidades que ronda os 40%; se temos muitos médicos no SNS indignados porque continuam a não ser respeitados e porque as suas condições de trabalho e salariais continuam a ser inacreditáveis, eu temo que muitos mais médicos abandonem o SNS, o que não é bom para o país, para os portugueses e é total responsabilidade do Governo”.
Jorge Roque da Cunha, presidente do SIM- Sindicato Independente dos Médicos – considera que “o Governo está a nivelar por baixo, o que não faz qualquer sentido”. E avisa que “com um Governo de maioria absoluta, todas estas questões têm que ser resolvidas à mesa das negociações”, que a ministra Marta Temido já anunciou.
Aliás, o Governo e a ministra Marta Temido foram criticados por todas as entidades do Fórum por não terem sido consultadas sobre esta decisão de pôr médicos sem especialidade ou de outra especialidade a exercer a função de médico de família.
Ficou ainda o alerta do Bastonário relativamente à hipótese de recurso a médicos estrangeiros nas mesmas condições de qualidade. A primeira condição é que têm de ser, tal como os portugueses, especialistas em Medicina Geral e Familiar.